MEDITAÇÕES
2014-2015
SOBRE LIMITES, NA DEMOCRACIA OU NÃO
Face aos acontecimentos cada vez
mais agressivos entre seres humanos, ou
provocados por eles, que têm sido exacerbados, notadamente no decorrer do ano que se
encerrou recentemente e já no início
deste que mal se iniciou, tenho
me detido em preocupações sobre a nossa individualidade ante a
pluralidade de personalidades em nosso entorno. E tudo, em decorrência de como deveria ser o
modo de sentir e pensar ideal das pessoas em geral, para que houvesse um
bem-estar generalizado na existência das
comunidades em nosso Planeta, pois, de
acordo com um entendimento genérico, foi para tanto que o ser humano decidiu
privar-se de uma liberdade individual
ilimitada em seu estado natural.
Ao
meio desses profundos pensamentos, fui colhida, como a maioria das pessoas do
mundo, pelos tristes acontecimentos em Paris, na França, com o trágico desfecho pelo ataque
aos componentes do jornal de edições
satíricas dirigidas às religiões mais
importantes da atualidade, o Charlie Hebdo.
Ainda
muito chocada com as primeiras notícias, em que parecia tratar-se de uma
retaliação feita por dois jovens franceses de origem oriental e praticantes da
religião islâmica, pretendendo vingar insultos tidos por eles como irreparáveis
contra o seu profeta e fundador, através de suas charges, em uma edição
recente, sendo todas as vítimas cartunistas que operaram nesses desenhos e nos
diálogos que os acompanham, procurei analisar os fatos, para verificar se havia circunstâncias antecedentes preparatórias de tão horrível tragédia, ou se teria sido algo de improviso, ato tresloucado de anarquistas de momento.
Com o passar dos dias, a
comoção mundial foi muito grande, eis que o atentado, terrorista sob todos os
pontos de vista, até mesmo assim reconhecido por clérigos da religião que os
jovens alegaram professar e defender, foi terrível, contra as normas da civilização
moderna, que tem os códigos jurídicos e as cortes judiciais apropriadas para a
punição dos crimes contra as religiões, a nível nacional e internacional. E,
acima de tudo, foi um crime contra a vida, hediondo, com requintes de
crueldade. Não estamos mais na época da justiça privada. E, humanamente, não apenas eu, mas a grande
maioria dos seres civilizados, pelo menos dos que assim se consideram, além de
estarmos solidarizados com as famílias das vítimas,
não concordamos com uma solução desse teor para a composição de um conflito que envolve contextos
muito mais profundos do ser humano do que uma agressividade momentânea, mas,
isto sim, o âmago do sagrado da sua existência. Sim, aquela parte constituinte
da Humanidade que a faz procurar evolução e a conduz, desde tempos
imemoriáveis, da condição de um simples símio, como nos informa Darwin, até as
conquistas de hoje, e a nossa pretensão de chegarmos, em breve, a viajantes do Cosmos.
Acaso desejamos chegar
às fronteiras que nosso Planeta faz com o restante do Universo, do qual mal
conhecemos a vizinhança próxima, isto é, a Lua e os planetas irmãos, com essa
carga de xenofobismo, intolerância, falta de confiança na justiça humana para
resolver nossas contendas, falta de conhecimento de onde se iniciam nossos
direitos e onde eles terminam? Acaso desejamos chegar ao Cosmos e levar os
horrores de nossas guerras, que levam à destruição, às doenças, às pragas
morais, como a prostituição, a
prevaricação, a corrupção, ao assassinato, à destruição da Natureza, ao
desrespeito pela coisa alheia, ao
desamor, ao ódio, à falta de limites? Acaso desejamos deixar para sempre, no
Universo, a nossa marca de demolidores,
de destruidores de civilizações, de pragas insolentes da morte e da desolação?
Seremos acaso uma horda moderna de gafanhotos gigantes que nos nutrimos e nos
fortalecemos de todas as insolências e perversidades imagináveis em cérebros
degenerados, para, a seguir, disseminar essa grande, essa horrível experiência
de terror que estamos disseminando em nosso querido berço planetário?
Paremos um pouco,
pensemos. Isso tudo que aconteceu não
foi algo repentino. Não foi um “blow-up” de uma lâmpada que se acende em um
momento histórico para flagrar uma situação inusitada de choque de civilizações.
Nós, os ocidentais e os orientais, existimos há muitos séculos, já fomos e
deixamos de ser povos muito prósperos e civilizações evoluídas, tornamos a
sê-lo, ciclicamente, e estamos todos, neste momento, em dificuldades, tanto
econômicas quanto emocionais. Toda a Humanidade passa por condições materiais e
imateriais que as religiões têm previsto como “tempos difíceis”, profetas
têm dito como “fins dos tempos” para nós, cientistas têm previsto como “entropia”
no Universo, e, na Terra, com a elevação
da temperatura e derretimento do gelo das calotas polares. Então, é hora de nos
unirmos, não para protegermos esta ou aquela ideologia ou religião ─ a exemplo do que tem
ocorrido, como se pode verificar pelo estudo da HISTÓRIA ─ e o grande cientista
moderno, Carl Sagan, já nos alertava nos meados do século passado: somente as
espécies que foram suficientemente inteligentes para se manterem unidas é que
lograram persistir existindo em nosso
Planeta.
Ocidentais e Orientais,
a grande maioria de nós, sabemos que há um só Deus, quer lhe demos um ou outro
nome, e esse Deus é de todos nós, mesmo
aqueles que ainda não chegaram a saber da Sua existência. O fato de alguém,
alguns ou muitos, O negarem, não invalida Sua existência, Ele é maior, é tão
grande que não pode ser visto nem Sua real natureza entendida por cérebros tão primitivos quanto os nossos. O Sagrado, dentro de nós, é inalienável, imperdível: mais cedo ou mais tarde, algum dia será despertado em cada indivíduo. Assim, por outro lado, se
alguém tirar a vida de uma pessoa que ainda não conseguiu encontrá-Lo,
estará também roubando-lhe o direito de encontrá-Lo, pois não foi para tanto autorizado (somente Ele, que doou este bem, pode retomá-lo ou transferir a retomada a outrem, diretamente, e, a procuração necessária para tanto, até hoje, a nenhum humano foi outorgada). Sendo assim, quem praticar homicídio, além de incorrer nas penas da lei humana, incorrerá em falta perante Ele, que, por Sua Misericórdia, distribui igualmente a todos os
humanos a oportunidade de acolhê-Lo ─ e não cabe a nós, pobres e impuras criaturas, impedir esse glorioso encontro, sob qualquer pretexto.
O Sagrado, no Interior
de um Ser Humano, é o fator mais importante de sua vida. É o motor que o
impulsiona à procura da evolução. Se não fosse esse motor, o pobre símio que um
dia olhou para as estrelas, jamais teria
tido a capacidade de sonhar um dia
chegar até elas para encontrar ali sua felicidade. Teria ficado preso à terra
por onde se arrastava, contente por encontrar uma fruta em uma árvore frondosa
ou algum inseto voando pela relva para
saciar seu estômago, para, mais tarde, após seu reparador repasto, praticar
atos sexuais com as fêmeas de seu harém
e se multiplicar sobre o Planeta. E não cabe à nossa geração, neste momento,
destruir esse sonho.
Foi o Sagrado no interior
do Ser Humano que o transformou em Homo
faber, depois, em Homo sapiens, e, então, em Homo sapiens sapiens. E, se formos
suficientemente inteligentes, seremos alçados ao degrau do Homo moralis, aquele que não precisará mais da parte sancionadora
da norma jurídica para agir conforme a Lei, aquele que praticará os preceitos
das normas da convivência pacífica porque a sua moral e a sua ética (subjetivas
e objetivas) assim lhe indicarão o caminho para a evolução completa, para que
possamos realmente ser chamados de “Humano” e, não, apenas ter a sua
aparência externa.
O que a nossa realidade
de hoje exige de nós é um posicionamento
moral e ético perante o nosso semelhante. Agora, toda a Humanidade está em
risco! Muita cautela, muita compreensão! Nós queremos respeito, mas os outros
também querem respeito, façamos de nossa vida uma vida significativa, pensando
nos outros !
Tudo neste nosso Mundo
dos Sentidos, como o definia Platão, tem um princípio, um meio e um fim, e,
portanto, um limite. Nessa definição, tudo o que existe em nossa dimensão existencial se inclui, até mesmo
conceitos imateriais, como a liberdade e a liberdade de pensamento. Para nos
lembrarem disso existem: a Declaração dos Direitos do Homem, da ONU, as Leis
Fundamentais (Constituições) das Nações, os Códigos Civis e Penais, regulando
as relações nas sociedades. Há um postulado
geral também largamente conhecido: “o direito de alguém termina onde se
inicia o de outrem”.
Nós que usamos a palavra, a pena, o lápis,
temos muita responsabilidade, pois fazemos parte de um número de pessoas que
têm acesso à mídia para falar a um grande número de ouvintes e leitores que não
possuem a mesma quantidade de nossos conhecimentos, ou por serem muito jovens ou
por falta de oportunidade, os quais confiam em nós e podem se influenciar pelo que lhes dizemos, escrevemos ou
desenhamos. Por isso, muito cuidado devemos ter e devemos conhecer muito bem
nossos limites e os limites das coisas do mundo e das pessoas: todo poder impõe a quem o utiliza uma grande responsabilidade
(subjetiva e objetiva), oponível a nós perante terceiros em qualquer instância e oportunidade. Ultrapassar esses limites também poderá fazer-nos incorrer não só em penas da lei humana, como também da Lei de Deus - todo cuidado é pouco!
Quando alguém possui acesso
laico ou religioso a jovens e pessoas que necessitam do ensino e orientação
sobre coisas do mundo profano ou religioso, deve lembrar-se piedosamente dos
inúmeros servos de Deus que vivem neste Mundo e que confiam nele para comunicar a Sua palavra e desviá-los do
caminho do mal. Estaremos rezando permanentemente, do modo que nos foi ensinado
pela nossa tradição, mas todos irmanados no mesmo respeitoso sentimento de fé, no sentido de que
todos os Mestres, Governantes e Religiosos possam conseguir a necessária
inspiração e serenidade para lhes mostrarem as setas do bom caminho, as chaves das portas da sabedoria e a receita do alimento que fortalece o espírito, para que possamos encontrar a harmonia e a paz em nosso Planeta.
Por fim, lembremo-nos do iluminado ensinamento de Rousseau:
A passagem do estado de natureza para o estado civil determina no homem
uma mudança muito notável, substituindo na sua conduta, o instinto pela justiça,
e dando às suas ações, a moralidade que antes lhes faltava. É só então que,
tomando a voz do dever o lugar do impulso físico, e o direito o lugar do
apetite, o homem, até aí levando em consideração apenas sua pessoa, vê-se
forçado a agir baseando-se em outros princípios e a consultar a razão antes de
ouvir suas inclinações.
...
O
que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito
ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcançar. O que ele ganha é a liberdade
civil e a propriedade de tudo que possui. A fim de não fazer um julgamento
errado dessas compensações, impõe-se distinguir entre a liberdade natural, que
só conhece limites nas forças do indivíduo, e a liberdade civil, que se limita
pela vontade geral. (Jean Jacques Rousseau, in “Do Contrato Social ou Princípios do Direito Político”, Livro
Primeiro, Capítulo VII).