sábado, 17 de janeiro de 2015


MEDITAÇÕES 2014-2015                

SOBRE  LIMITES,  NA DEMOCRACIA  OU  NÃO


                        


             
                       Face aos acontecimentos cada vez mais  agressivos entre seres humanos, ou provocados por eles, que têm sido exacerbados, notadamente no decorrer do ano que se encerrou recentemente e já no início  deste que mal se iniciou, tenho  me detido em preocupações sobre a nossa individualidade ante a pluralidade de  personalidades  em nosso entorno.  E tudo, em decorrência de como deveria ser o modo de sentir e pensar ideal das pessoas em geral, para que houvesse um bem-estar generalizado na existência  das comunidades  em nosso Planeta, pois, de acordo com um entendimento genérico, foi para tanto que o ser humano decidiu privar-se de  uma liberdade individual ilimitada em seu estado natural. 
                        Ao meio desses profundos pensamentos, fui colhida, como a maioria das pessoas do mundo, pelos tristes acontecimentos em Paris, na França, com o trágico desfecho pelo ataque aos componentes do jornal  de edições satíricas  dirigidas às religiões mais importantes da atualidade, o Charlie Hebdo.
 
                        Ainda muito chocada com as primeiras notícias, em que parecia tratar-se de uma retaliação feita por dois jovens franceses de origem oriental e praticantes da religião islâmica, pretendendo vingar insultos tidos por eles como irreparáveis contra o seu profeta e fundador, através de suas charges, em uma edição recente, sendo todas as vítimas cartunistas que operaram nesses desenhos e nos diálogos que os acompanham, procurei analisar os fatos, para verificar se havia  circunstâncias antecedentes preparatórias de tão horrível tragédia, ou se teria sido algo de improviso, ato tresloucado de anarquistas de momento.
                        Com o passar dos dias, a comoção mundial foi muito grande, eis que o atentado, terrorista sob todos os pontos de vista, até mesmo assim reconhecido por clérigos da religião que os jovens alegaram professar e  defender, foi terrível, contra as normas da civilização moderna, que tem os códigos jurídicos e as cortes judiciais apropriadas para a punição dos crimes contra as religiões, a nível nacional e internacional. E, acima de tudo, foi um crime contra a vida, hediondo, com requintes de crueldade. Não estamos mais na época da justiça privada.  E, humanamente, não apenas eu, mas a grande maioria dos seres civilizados, pelo menos dos que assim se consideram, além de estarmos solidarizados com as famílias das vítimas,  não concordamos com uma solução desse teor para  a composição de um conflito que envolve contextos muito mais profundos do ser humano do que uma agressividade momentânea, mas, isto sim, o âmago do sagrado da sua existência. Sim, aquela parte constituinte da Humanidade   que a faz  procurar evolução e a conduz, desde tempos imemoriáveis, da condição de um simples símio, como nos informa Darwin, até as conquistas de hoje, e a nossa pretensão de chegarmos, em breve,  a viajantes do Cosmos.
                        Acaso desejamos chegar às fronteiras que nosso Planeta faz com o restante do Universo, do qual mal conhecemos a vizinhança próxima, isto é, a Lua e os planetas irmãos, com essa carga de xenofobismo, intolerância, falta de confiança na justiça humana para resolver nossas contendas, falta de conhecimento de onde se iniciam nossos direitos e onde eles terminam? Acaso desejamos chegar ao Cosmos e levar os horrores de nossas guerras, que levam à destruição, às doenças, às pragas morais, como  a prostituição, a prevaricação, a corrupção, ao assassinato, à destruição da Natureza, ao desrespeito pela coisa alheia,  ao desamor, ao ódio, à falta de limites? Acaso desejamos deixar para sempre, no Universo, a nossa marca de  demolidores, de destruidores de civilizações, de pragas insolentes da morte e da desolação? Seremos acaso uma horda moderna de gafanhotos gigantes que nos nutrimos e nos fortalecemos de todas as insolências e perversidades imagináveis em cérebros degenerados, para, a seguir, disseminar essa grande, essa horrível experiência de terror que estamos disseminando em nosso querido berço planetário?
                        Paremos um pouco, pensemos.  Isso tudo que aconteceu não foi algo repentino. Não foi um “blow-up” de uma lâmpada que se acende em um momento histórico para flagrar uma situação inusitada de choque de civilizações. Nós, os ocidentais e os orientais, existimos há muitos séculos, já fomos e deixamos de ser povos muito prósperos e civilizações evoluídas, tornamos a sê-lo, ciclicamente, e estamos todos, neste momento, em dificuldades, tanto econômicas quanto emocionais. Toda a Humanidade passa por condições materiais e imateriais que as religiões têm previsto como “tempos difíceis”, profetas têm dito como “fins dos tempos” para nós, cientistas têm previsto como “entropia” no Universo, e, na Terra, com  a elevação da temperatura e derretimento do gelo das calotas polares. Então, é hora de nos unirmos, não para protegermos esta ou aquela ideologia ou religião ─ a exemplo do que tem ocorrido, como se pode verificar pelo estudo da HISTÓRIA ─ e o grande cientista moderno, Carl Sagan, já nos alertava nos meados do século passado: somente as espécies que foram suficientemente inteligentes para se manterem unidas é que lograram persistir  existindo em nosso Planeta.
                        Ocidentais e Orientais, a grande maioria de nós, sabemos que há um só Deus, quer lhe demos um ou outro nome,  e esse Deus é de todos nós, mesmo aqueles que ainda não chegaram a saber da Sua existência. O fato de alguém, alguns ou muitos, O negarem, não invalida Sua existência, Ele é maior, é tão grande que não pode ser visto nem Sua real natureza entendida por cérebros tão primitivos quanto os nossos. O Sagrado, dentro de nós, é inalienável, imperdível: mais cedo ou mais tarde, algum dia será despertado em cada indivíduo. Assim, por outro lado, se alguém tirar a vida de uma pessoa que ainda não conseguiu encontrá-Lo, estará também roubando-lhe o direito de  encontrá-Lo, pois não foi para tanto autorizado (somente Ele, que doou este bem, pode retomá-lo ou transferir a retomada  a outrem, diretamente, e, a procuração necessária para tanto, até hoje,  a nenhum humano foi  outorgada). Sendo assim, quem praticar homicídio, além de incorrer nas penas da lei humana, incorrerá em falta perante Ele, que, por Sua Misericórdia, distribui igualmente a todos os humanos a oportunidade de acolhê-Lo  ─ e não cabe a nós, pobres e impuras criaturas, impedir esse glorioso encontro, sob qualquer pretexto.
                        O Sagrado, no Interior de um  Ser Humano, é o fator mais importante de sua vida. É o motor que o impulsiona à procura da evolução. Se não fosse esse motor, o pobre símio que um dia  olhou para as estrelas, jamais teria tido a capacidade de sonhar  um dia chegar até elas para encontrar ali sua felicidade. Teria ficado preso à terra por onde se arrastava, contente por encontrar uma fruta em uma árvore frondosa ou algum inseto  voando pela relva para saciar seu estômago, para, mais tarde, após seu reparador repasto, praticar atos  sexuais com as fêmeas de seu harém e se multiplicar sobre o Planeta. E não cabe à nossa geração, neste momento, destruir esse sonho.
                        Foi o Sagrado no interior do Ser Humano que o transformou em Homo faber, depois, em Homo sapiens, e, então, em Homo sapiens sapiens. E, se formos suficientemente inteligentes, seremos alçados ao degrau do Homo moralis, aquele que não precisará mais da parte sancionadora da norma jurídica para agir conforme a Lei, aquele que praticará os preceitos das normas da convivência pacífica porque a sua moral e a sua ética (subjetivas e objetivas) assim lhe indicarão o caminho para a evolução completa, para que possamos realmente ser chamados de “Humano” e, não, apenas ter a sua aparência externa.
                        O que a nossa realidade de  hoje exige de nós é um posicionamento moral e ético perante o nosso semelhante. Agora, toda a Humanidade está em risco! Muita cautela, muita compreensão! Nós queremos respeito, mas os outros também querem respeito, façamos de nossa vida uma vida significativa, pensando nos outros !
                        Tudo neste nosso Mundo dos Sentidos, como o definia Platão, tem um princípio, um meio e um fim, e, portanto, um limite. Nessa definição, tudo o que existe em nossa dimensão existencial se inclui,  até mesmo conceitos imateriais, como a liberdade e a liberdade de pensamento. Para nos lembrarem disso existem: a Declaração dos Direitos do Homem, da ONU, as Leis Fundamentais (Constituições) das Nações, os Códigos Civis e Penais, regulando as relações nas sociedades. Há um postulado  geral também largamente conhecido: “o direito de alguém termina onde se inicia o de outrem”.
                         Nós que usamos a palavra, a pena, o lápis, temos muita responsabilidade, pois fazemos parte de um número de pessoas que têm acesso à mídia para falar a um grande número de ouvintes e leitores que não possuem a mesma quantidade de nossos conhecimentos, ou por serem muito jovens ou por falta de oportunidade, os quais confiam em nós e podem se influenciar  pelo que lhes dizemos, escrevemos ou desenhamos. Por isso, muito cuidado devemos ter e devemos conhecer muito bem nossos limites e os limites das coisas do mundo e das pessoas: todo poder  impõe a quem o utiliza uma grande responsabilidade (subjetiva e objetiva), oponível a nós  perante terceiros em qualquer instância e oportunidade. Ultrapassar esses limites também poderá fazer-nos incorrer não só em penas da lei humana, como também da Lei de Deus - todo cuidado é pouco!
                        Quando alguém possui acesso laico ou religioso a jovens e pessoas que necessitam do ensino e orientação sobre coisas do mundo profano ou religioso, deve lembrar-se piedosamente dos inúmeros servos de Deus que vivem neste Mundo e que confiam nele para  comunicar a Sua palavra e desviá-los do caminho do mal. Estaremos rezando permanentemente, do modo que nos foi ensinado pela nossa tradição, mas todos irmanados no mesmo respeitoso sentimento de fé,  no sentido de  que  todos os Mestres, Governantes e Religiosos possam conseguir a necessária inspiração e serenidade   para lhes mostrarem as setas do bom caminho, as chaves das portas da sabedoria e a receita do alimento que fortalece o espírito, para que possamos encontrar a harmonia e a paz em nosso Planeta.
                       Por fim, lembremo-nos do iluminado ensinamento de Rousseau:                      
               
                                  

                  
                                             
     
                         A passagem do estado de natureza para o estado civil determina no homem uma mudança muito notável, substituindo na sua conduta, o instinto pela justiça, e dando às suas ações, a moralidade que antes lhes faltava. É só então que, tomando a voz do dever o lugar do impulso físico, e o direito o lugar do apetite, o homem, até aí levando em consideração apenas sua pessoa, vê-se forçado a agir baseando-se em outros princípios e a consultar a razão antes de ouvir suas inclinações.
                        ...
                O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcançar. O que ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo que possui. A fim de não fazer um julgamento errado dessas compensações, impõe-se distinguir entre a liberdade natural, que só conhece limites nas forças do indivíduo, e a liberdade civil, que se limita pela vontade geral. (Jean Jacques Rousseau, in “Do Contrato Social ou Princípios do Direito Político”, Livro Primeiro, Capítulo VII).