CONFLITOS,
AGRESSIVIDADE E VIOLÊNCIA
A vida
é feita de relacionamentos. Trata-se de
um campo de existência, no qual se encontram sistemas e subsistemas abertos,
isto é, que se comunicam entre si, fazendo trocas de valores, de coisas
animadas e inanimadas e de sentimentos. Cada ser humano é, em si mesmo, um
mini-subsistema que faz parte de um subsistema denominado “Sociedade”. Traz
para ela a influência de suas características internas naturais ou adquiridas
de outros subsistemas, como, por exemplo, da sua Família e do Ambiente Natural onde
habita, ao mesmo tempo em que é influenciado por ela – no que consistem os
relacionamentos.
Ocorre, pois, quanto ao
relacionamento humano, a incidência da
mesma lei da famosa Teoria Geral dos
Sistemas, descoberta por Von
Bertalanffy, e explicada em livro do mesmo nome :
Na sua famosa teoria dos sistemas, estes são considerados abertos, pois
o cientista entendeu, acertadamente, que dificilmente se encontrará um sistema
totalmente fechado ou isolado. O mundo, para ele, é um “sistema aberto”,
formado por vários subsistemas que se inter-relacionam e nos quais se incluem
todos os ramos da ciência, as sociedades, os oceanos, o reino vegetal e o
animal, a eletrosfera, etc. A nossa existência individual ocorre, pois, em
um ambiente sistêmico aberto: isto é, existe uma inter-relação entre cada um de
nós e todas as influências que fazem parte da nossa realidade, e, portanto, não
podemos deixar de sofrer, simultaneamente, a incidência de várias
circunstâncias que operam consequências em nós e que, por sua vez, sofrem nossa
influência, uma interação permanente. Sendo assim, quer essas ocorrências sejam
de natureza material, social ou imaterial, são interdependentes e, forçosamente,
modificarão os efeitos umas das outras e entre nós.
(*)
2.Relacionamentos geram conflitos.
O
homem aceitou o conflito como parte da existência diária, desde que concordou
com a convivência com outros seres humanos, dado que são todos diferentes e
possuem aspirações diversas, que, por vezes, se entrechocam.
Não vou
examinar aqui as teorias sobre a origem humana, se como animal solitário ou social. Tanto
faz que se entenda o homem originalmente um ser social ou não, conforme as correntes
filosóficas existentes sobre o início das sociedades humanas, cabe essa aceitação individual, quer por um
fator da própria natureza da espécie ,
sendo então uma aceitação tácita desde o
nascimento em um meio grupal inicial,
quer por um fator de um contrato social posteriormente praticado por
todos ou quase todos, quando esse consentimento teria sido formal : de qualquer forma teria havido,
como ainda há, a disposição consensual de permanecermos agrupados socialmente. É
verdade que existem pessoas antissociais, mas são exceções que não invalidam a “tese
do consentimento”, mas confirmam a sua
voluntariedade, pois, não desejando o convívio, não aceitando as relações e seus consequentes conflitos, elas
se afastam e se isolam.
Contudo, convivendo em sociedade e envolvendo-se em relacionamentos, o ser humano não
renunciou ao seu instinto individual de sobrevivência, que, constitutivo de sua natureza, é
irrenunciável, sob pena de perecimento do seu ser, da sua vida neste Planeta - o que se esperava, desde o início, era a composição dos conflitos de interesses. Aos poucos foi ocorrendo um direcionamento
desse instinto para obtenção de uma melhor posição no meio social, para a
satisfação de interesses individuais e de grupos de indivíduos componentes de uma sociedade. E então os conflitos de interesses foram dando origem, gradualmente, a que essa
agressividade fosse se canalizando negativamente, provocando os embates generalizados para obtenção das pretensões particulares. E, para possibilitar a
convivência pacífica, foram criadas as normas de comportamento social, hoje
inseridas nos Códigos de Leis. A maior ou menor capacidade de controle de
indivíduo ou dos diversos subgrupos,
frente a uma situação que desperte um quantitativo maior de expressão negativa
da agressividade (conflito de interesses) é que vai determinar o nível de violência aceitável perante as regras comportamentais e, quanto
mais evoluída a sociedade, menos violência
haverá no seu contexto.
Porque as pessoas são diferentes entre si, a
vida em sociedade tenderá sempre
a provocar divergências de pensamentos, de ações e aspirações - tudo se origina da complexidade interna da composição psicossomática do indivíduo e da maior ou menor complexidade dos elementos constitutivos da vida em sociedade. E os conflitos vão se tornando mais complexos, de acordo com o desenvolvimento econômico e tecnológico humano, até mesmo em face de relações entre várias sociedades que mantenham relacionamento entre si. Mas isso não é uma ocorrência apenas entre os humanos - também entre outros animais que vivem em grupos, tal como se vê entre vários primatas conhecidos , onde há lutas pelo exercício do poder e uma ordem hierárquica a ser obedecida por todos do bando, aceitas por eles naturalmente, embora haja diferenças de personalidades entre si. É bem verdade que ali também se vê atos de violência, mas isso não é normal — ou se dão por territorialidade, por escassez alimentar, ou mesmo descontentamento ou outros motivos, mas isso não é a regra, é a exceção decorrente de um distúrbio social. Entre nós, também, a violência não é normal. E, aqui e lá, quando ocorrem os episódios, eles têm de ser resolvidos. Entre os outros primatas, geralmente as partes derrotadas formam novos agrupamentos e vão conviver mais longe, ou porque foram expulsos ou por terem sido vencidos e não se conformaram. Não deixam de ser regras de conduta consuetudinárias, à semelhança do que, entre nós, humanos, tem-se como apl
A diferença entre as pessoas faz com que,
dentre outros aspectos, umas sejam possuidoras de maior ou menor agressividade, ou maior ou menor capacidade de seu controle,
outras possuam maior ou menor habilidade física, intelectual , poder
aquisitivo, grau de instrução, etc.. Daí surgem vários graus de participação do indivíduo, com estratificação formal (como no caso de “castas”, onde dominam
interpretações religiosas) ou informal (onde existem classes sociais distintas
pelo de poder aquisitivo, tal como nos sistemas
capitalistas ou pela importância burocrática nas decisões gerais de
política, como nos sistemas comunistas)
ou, ainda, uma classificação pelo grau de instrução.a provocar divergências de pensamentos, de ações e aspirações - tudo se origina da complexidade interna da composição psicossomática do indivíduo e da maior ou menor complexidade dos elementos constitutivos da vida em sociedade. E os conflitos vão se tornando mais complexos, de acordo com o desenvolvimento econômico e tecnológico humano, até mesmo em face de relações entre várias sociedades que mantenham relacionamento entre si. Mas isso não é uma ocorrência apenas entre os humanos - também entre outros animais que vivem em grupos, tal como se vê entre vários primatas conhecidos , onde há lutas pelo exercício do poder e uma ordem hierárquica a ser obedecida por todos do bando, aceitas por eles naturalmente, embora haja diferenças de personalidades entre si. É bem verdade que ali também se vê atos de violência, mas isso não é normal — ou se dão por territorialidade, por escassez alimentar, ou mesmo descontentamento ou outros motivos, mas isso não é a regra, é a exceção decorrente de um distúrbio social. Entre nós, também, a violência não é normal. E, aqui e lá, quando ocorrem os episódios, eles têm de ser resolvidos. Entre os outros primatas, geralmente as partes derrotadas formam novos agrupamentos e vão conviver mais longe, ou porque foram expulsos ou por terem sido vencidos e não se conformaram. Não deixam de ser regras de conduta consuetudinárias, à semelhança do que, entre nós, humanos, tem-se como apl
O instinto
de sobrevivência (de Eros, de vida), próprio do animal e que se caracteriza na agressividade, segundo Freud,
também existe nos seres humanos e, como tal é irracional e não se compõe, por
esse motivo, de nenhum elemento de elaboração mental para expressar-se — e essa
expressão não guarda nenhum sentido ou
desejo de uma consequência negativa para outrem, mas, sim e exclusivamente para
a sua proteção e manutenção de vida. Um animal, humano ou não, que não possuísse nenhuma agressividade não teria, em nenhum caso, condição de continuar a existir, porque estaria possuído
do instinto de morte (de Thanatus) e
não contribuiria para a manutenção de
sua espécie em nosso mundo.
Vivendo em sociedade, esse instinto de
sobrevivência do homem foi-se direcionando para obtenção de melhor posição no meio social,
visando a satisfação de indivíduos e
grupos de indivíduos no contexto social.
Por outro lado, a maior parte das pessoas não
está satisfeita com as condições materiais
que possui, em comparação com as das demais,
mais bem sucedidas, nesse campo, no seu
meio social. Tanto faz que essa diferença se dê em alguém porque os outros tenham mais
habilidade natural física ou
intelectual, ou, ainda, por terem levado
a efeito um grande esforço pessoal que
ele não esteja disposto a empreender.
Porque a ideia que cada um tem de si próprio nem sempre corresponde ao
que ele realmente é, e, assim, não reconhecendo um problema interno seu, não se conforma com o seu papel na sociedade —
mas, ao mesmo tempo, não tem condições
individuais naturais para uma evolução pessoal que o eleve a um patamar
desejado, ou não deseja esforçar-se para
alcançá-lo. Outras vezes, embora tenha as mesmas condições individuais
intrínsecas dos mais bem sucedidos, são as condições sociais mesmas,
independentes de sua vontade, que o impedem de uma melhoria. Em qualquer dos
dois casos, esse sentimento de “injustiça social” é um elemento interno individual facilitador
de relacionamentos conflituosos, que
alimentam a agressividade negativa, muitas vezes revertida para atitudes
externas de agressividade. E pode, ainda, ser estendido a um grupo ou subgrupo social
que tenha os mesmos problemas existenciais, com o qual esse indivíduo se
identifica e passam, então, a atuar com uma violência grupal, unidos pelo elo da fraternidade por uma situação similar de descontentamento.
Exemplo: Em uma sociedade de consumo como a nossa,
tem-se que Pedro é mais bem sucedido do que José, isto é, possui mais bens
materiais. Então José procura se igualar
a Pedro — não conseguindo, vem a decepção, e, com ela, ou um sentimento
contrário a si mesmo, como a depressão, ou contrário ao outro, como a inveja, a
cólera, o ódio, o ciúme, a ansiedade e outros. Esses sentimentos e emoções
secundários ( ou decorrentes ) trazem em si a exacerbação da agressividade, que
se desvirtua e passa à violência, que não mais é um instinto, mas um
comportamento racional — ao contrário daquele, trata-se de um comportamento não
natural, dependente de uma elaboração mental.
4.
Outros fatores
Há
vários fatores que facilitam ou criam o
processo da violência humana, além daqueles contidos em conflitos gerados pelos
relacionamentos, e que podem ser de natureza orgânica do indivíduo.
Está provado cientificamente que o nosso
cérebro possui uma região, denominada límbica, a qual, incentivada por fatores externos, funciona como um gatilho
para a violência : produz uma substância que vai alterar das glândulas suprarrenais,
produzindo excesso de adrenalina,
impulsionando a agressividade em forma acentuada — trata-se de um fator físico
e não mais instintivo e irracional, inserida na categoria voluntária e controlável que, uma vez materializada na ação de ferir , esta se
classifica como voluntária, não caracterizando, pois, a classificação de instintividade. A intensidade de capacidade individual desse controle decorre de fatores psicológicos , o
quais podem estar contidos em patologias
psíquicas. É, pois, de outra origem a eclosão desse tipo de violência e a
Ciência Médica tem a capacidade de
influir na sua correção — o que não ocorre
no caso do instinto, que não se
trata de uma patologia, mas de uma característica do natural do ser vivo.
A pergunta, a esse passo, é sobre até que
ponto está o indivíduo preparado internamente para controlar a
agressividade para não incidir em violência e como as circunstâncias a que está submetido
em determinado momento ou permanentemente
forçarão as barreiras que lhe impõem os conceitos morais e éticos.
Estuda-se o assunto, atualmente, de
forma científica.
Notadamente, a partir da 2ª. Grande
Guerra Mundial, o grande momento de se entender toda a capacidade de violência
do Homo Sapiens moderno, onde se operaram atrocidades que não se esperava mais no
mundo, pois se havia pensado que todas elas já haviam sido experimentadas e
banidas com a 1ª. Grande Guerra Mundial, que a precedera alguns anos. Freud e outros estudiosos do assunto mergulharam no estudo da psique humana , espantados diante dos fatos, passando a ser desenvolvida uma
ciência até então se iniciando, a Psicologia, cujo campo de
atuação é justamente o estudo e a procura de direcionamento positivo do
comportamento humano, identificando suas causas de descontrole. E, também,
notadamente com a iniciativa de Durkheim, a Sociologia teve sua origem para o estudo das sociedades
e seus efeitos sobre o indivíduo. Todo esse estudo se desenvolveu diante da
necessidade de se entender o que ocorre com o ser humano, individual e
coletivamente, no que tange ao disparo do mecanismo da violência —, já que , em
sociedades desenvolvidas como as
envolvidas no conflito, não se poderia jamais ter imaginado que o conflito
pudesse aceitar o nível
de atrocidades levadas a efeito, notadamente depois de terem sido tão
combatidos os fatos do que o precedeu.
5.
Conclusão
Muitas experiências foram feitas com animais submetidos com
uma população excessiva e escassez de meios essenciais de subsistência. E as
cobaias envolvidas tiveram um
crescimento de agressividade e de violência individual e coletiva, assim
aglomeradas (como nós nos dias de hoje, em nosso planeta super povoado e com
meios naturais devastados e poucos
insumos de subsistência), que as levou a um comportamento descontrolado de
autodestruição coletiva irreversível. Estamos próximos da situação dessas
pobres cobaias. Espera-se que, com o ser humano, não se chegue a esse ponto,
uma vez que temos condições racionais lógicas para a solução de problemas, mas
devemos agir rápido e com eficiência, pois tudo depende de nós.
Os antigos romanos eram excelentes
administradores e controlavam a enorme e
diversificada população do seu império através de espetáculos sangrentos e
terríveis contra animais e pessoas nos seus circos, em tempo de paz, e, em
tempos de guerra, deixando seus guerreiros extravasarem toda a sua violência
nos campos de batalha e contra seus prisioneiros, o que povos também desenvolvidos da América, como os Maias e os Astecas também
levavam a efeito através das constantes
lutas para fazerem prisioneiros e os
sacrificarem em cerimônias rituais excessivamente cruentas.
Ficou
demonstrada, a partir da metade
do século passado, a necessidade de uma identificação
de fatores e sistematização de formas
de compreender , para combatê-los, esses mecanismos disparadores da violência humana
, em grau elevado de civilização, educação, moral e ética. Esta cisão psíquica do homem moderno que é, em
determinado momento, capaz de levá-lo à prática de ações voluntárias
incompatíveis com a sua personalidade, é algo que tem se acentuado em nossos
dias. Tanto a nível individual e coletivo
e muito nos tem preocupado no mundo inteiro, pois se trata de um perigoso fator
de autodestruição da espécie que convém prevenir.
Pelo
estudo da História, sabia-se da violência humana na antiguidade. Havia, de
qualquer forma, a ideia de que a Humanidade, com o decorrer do tempo e com sua
evolução, deixaria o seu estágio de barbárie das guerras dos impérios de
outrora, mas tudo persiste, havendo apenas mudado os meios
de praticá-las. E indaga-se, também, se é da natureza da espécie, predadora, de
qualquer forma assim reconhecida, uma incapacidade de superação desse aspecto deficiente de sadismo , que não se encontra nas outras espécies,
mesmo predadoras, ditas irracionais ou
menos racionais — o ser humano caça e mata
por prazer, enquanto os demais o fazem apenas para sobreviver. E, além
do mais, nós temos demonstrado a existência desse prazer de produzir o mal, com
o exercício da violência, física ou psíquica, mesmo nos seres de nossa própria espécie. De
qualquer sorte, os casos de
torturas que temos visto nos dias
de hoje, tanto em animais quanto em pessoas, não nos trazem muita alegria ao
contemplar o futuro humano. É necessário
que procuremos modificar esse aspecto tão
impeditivo da nossa evolução moral.
Temos o nosso drama de violência de hoje e
parece que os métodos de catarse utilizados não mais são solução para tanto.
Chegou então o momento de estudarmos bem o fenômeno da nossa violência, já que
dispomos de tantos conhecimentos científicos e tecnológicos para assumirmos
a necessidade de contermos essa
que deverá ser a causa da nossa destruição — não mais a sua purgação ou
purificação por uma “descarga dramática” como a guerra, mas, sim, a sua
extirpação do nosso perfil sapiens para atingirmos o perfil moralis , que é o próximo
passo evolutivo, se conseguirmos chegar até lá antes de nos auto aniquilarmos. E,
para tanto, é urgente que se faça um estudo multidisciplinar das causas do início e da evolução da violência.
A violência humana é como se fora uma árvore com fortes raízes fincadas no solo fértil da herança que ficou selada em memória físico-psíquica de
nossos humildes ancestrais, como nos disse Darwin. Procurar controlá-la com a ação de uma
atividade ou com a ação de apenas uma ou outra área de conhecimento ou atividade humana é
uma utopia, é como o cego que julga conhecer o elefante tateando apenas a sua tromba.
Frondosa, frutífera e bem alimentada pelos
conflitos atuais das sociedades e dos indivíduos em si e entre si frente à impotência contra as adversidades e a falta de perspectiva
de uma vida melhor, cresce a violência humana
que se espalha e se explode como um
rastilho de pólvora. Se apenas nos contentarmos em continuar podando-lhe alguns
galhos, estes continuarão a ser substituídos por outros mais fortes ainda, em
uma expansão caótica, sem previsão de normalidade. Necessitamos atingir a raiz
do problema. A fórmula a ser utilizada é a multidisciplinaridade, isto é, sua
análise e combate por uma ação conjunta, integrada, de todas as áreas do conhecimento e das
atividades humanas — somente assim conheceremos a sua verdade por inteiro e
poderemos, então, agir definitivamente
sobre ela. E o tempo está passando ... e ainda não se vê nenhuma providência nesse sentido ... é uma pena!__________
(*) Ver mais em "Teoria da Restituição - O Direito do Futuro . A nova etapa evolucionária humana: a Filosofia, as Leis e as Ciências", de Lia Pantoja Milhomens , Editora Maet, pp.265-276)