domingo, 13 de julho de 2014


CONFLITOS,  AGRESSIVIDADE  E  VIOLÊNCIA                         

                                          
 

 1.Introdução

                        A vida é feita de relacionamentos.  Trata-se de um campo de existência, no qual se encontram sistemas e subsistemas abertos, isto é, que se comunicam entre si, fazendo trocas de valores, de coisas animadas e inanimadas e de sentimentos. Cada ser humano é, em si mesmo, um mini-subsistema que faz parte de um subsistema denominado “Sociedade”. Traz para ela a influência de suas características internas naturais ou adquiridas de outros subsistemas, como, por exemplo, da sua  Família e do Ambiente Natural  onde  habita,  ao mesmo tempo em que é  influenciado por ela – no que consistem os relacionamentos.
                        Ocorre, pois, quanto   ao relacionamento humano,  a incidência da mesma lei da famosa  Teoria Geral dos Sistemas,  descoberta por Von Bertalanffy, e explicada em livro do mesmo nome :

                Na sua famosa teoria dos sistemas, estes são considerados abertos, pois o cientista entendeu, acertadamente, que dificilmente se encontrará um sistema totalmente fechado ou isolado. O mundo, para ele, é um “sistema aberto”, formado por vários subsistemas que se inter-relacionam e nos quais se incluem todos os ramos da ciência, as sociedades, os oceanos, o reino vegetal e o animal, a eletrosfera, etc. A nossa existência individual ocorre, pois, em um ambiente sistêmico aberto: isto é, existe uma inter-relação entre cada um de nós e todas as influências que fazem parte da nossa realidade, e, portanto, não podemos deixar de sofrer, simultaneamente, a incidência de várias circunstâncias que operam consequências em nós e que, por sua vez, sofrem nossa influência, uma interação permanente. Sendo assim, quer essas ocorrências sejam de natureza material, social ou imaterial, são interdependentes e, forçosamente, modificarão      os efeitos umas das outras e entre nós. (*)


2.Relacionamentos geram conflitos.        

                         O homem aceitou o conflito como parte da existência diária, desde que concordou com a convivência com outros seres humanos, dado que são todos diferentes e possuem aspirações diversas, que, por vezes, se entrechocam.         
                                                   


                        Não vou examinar aqui as teorias sobre a origem humana, se como animal solitário ou social. Tanto faz que se entenda o homem originalmente um ser social ou não, conforme as correntes filosóficas existentes sobre o início das sociedades humanas, cabe  essa aceitação individual, quer por um fator  da própria natureza da espécie , sendo então uma aceitação  tácita desde o nascimento em um meio grupal inicial,  quer por um fator de um contrato social posteriormente praticado por todos ou quase todos, quando esse consentimento teria sido formal : de qualquer forma teria havido, como ainda há, a disposição consensual de permanecermos agrupados socialmente. É verdade que existem pessoas antissociais, mas são exceções que não invalidam a “tese do consentimento”, mas  confirmam a sua voluntariedade, pois, não desejando o convívio, não aceitando as relações e seus consequentes conflitos, elas se afastam e se isolam.
                        Contudo, convivendo em sociedade  e envolvendo-se em relacionamentos, o ser humano não renunciou ao seu instinto individual de sobrevivência, que, constitutivo de sua natureza, é irrenunciável, sob pena de perecimento do seu ser, da sua vida neste Planeta  - o que se esperava, desde o início, era a composição  dos conflitos de interesses. Aos poucos foi ocorrendo  um direcionamento desse instinto para obtenção de uma melhor posição no meio social, para a satisfação de interesses individuais e de grupos de indivíduos componentes de uma sociedade. E então os conflitos de interesses foram dando origem, gradualmente,  a que essa agressividade fosse se canalizando negativamente, provocando os embates generalizados para obtenção das pretensões particulares. E, para possibilitar a convivência pacífica, foram criadas as normas de comportamento social, hoje inseridas nos Códigos de Leis. A maior ou menor capacidade de controle de indivíduo ou dos diversos  subgrupos, frente a uma situação que desperte um quantitativo maior de expressão negativa da agressividade (conflito de interesses)  é que vai determinar o nível de violência  aceitável  perante as regras comportamentais e, quanto mais evoluída a sociedade, menos violência  haverá no seu contexto. 

 3. A complexidade humana     

                                                       
  
                        Porque as pessoas são diferentes entre si, a vida em sociedade tenderá sempre
a provocar divergências de pensamentos, de ações e aspirações - tudo se origina da complexidade interna da composição psicossomática do indivíduo e da maior ou menor complexidade  dos elementos constitutivos da  vida em sociedade. E os conflitos vão se tornando mais complexos, de acordo com o desenvolvimento econômico e tecnológico humano, até mesmo  em face de relações entre várias  sociedades que mantenham relacionamento entre si. Mas isso não é uma ocorrência apenas entre os humanos -  também  entre  outros animais que vivem em grupos, tal como se vê entre vários primatas conhecidos , onde há lutas pelo exercício do poder e uma ordem hierárquica a ser obedecida por todos  do bando, aceitas por eles  naturalmente, embora haja diferenças de personalidades entre si. É bem verdade que ali também se vê atos de violência, mas isso não é normal — ou se dão por territorialidade, por escassez alimentar, ou mesmo descontentamento ou outros motivos, mas isso não é a regra, é a exceção decorrente de um distúrbio  social.  Entre nós, também,  a violência não é normal. E, aqui e lá,  quando ocorrem os episódios, eles têm de ser resolvidos. Entre os outros primatas, geralmente as partes derrotadas formam novos agrupamentos e vão conviver mais longe, ou porque foram expulsos ou por terem sido vencidos e não se conformaram. Não deixam de ser regras de conduta consuetudinárias, à semelhança  do que, entre nós, humanos, tem-se como apl
                        A diferença entre as pessoas faz com que, dentre outros aspectos, umas sejam possuidoras de maior ou menor agressividade,  ou maior ou menor capacidade de seu controle, outras possuam maior ou menor habilidade física, intelectual , poder aquisitivo, grau de instrução, etc.. Daí surgem  vários graus de participação do indivíduo,  com estratificação formal (como  no caso de “castas”, onde dominam interpretações religiosas)  ou  informal (onde existem classes sociais distintas  pelo  de poder aquisitivo, tal como nos sistemas capitalistas ou  pela  importância burocrática nas decisões gerais de política, como nos sistemas  comunistas) ou,  ainda,  uma classificação pelo  grau de instrução.
                                
                                                        

                        O instinto de sobrevivência (de Eros, de vida), próprio do animal e que se  caracteriza na agressividade, segundo Freud, também existe nos seres humanos e, como tal é irracional e não se compõe, por esse motivo, de nenhum elemento de  elaboração mental para expressar-se — e essa expressão não guarda nenhum  sentido ou desejo de uma consequência negativa para outrem, mas, sim e exclusivamente para a sua proteção e manutenção de vida. Um animal, humano ou não, que não  possuísse nenhuma agressividade  não teria, em nenhum caso, condição de  continuar a existir, porque estaria possuído do instinto de morte (de Thanatus) e não contribuiria para  a manutenção de sua espécie em nosso mundo.
                        Vivendo em sociedade, esse instinto de sobrevivência do homem foi-se direcionando  para obtenção de melhor posição no meio social, visando  a satisfação de indivíduos e grupos de indivíduos no contexto social.

                        Por outro lado, a maior parte das pessoas não está satisfeita com as condições  materiais que possui, em comparação com as  das demais,  mais bem sucedidas, nesse campo, no seu meio social. Tanto faz que essa diferença  se dê  em alguém porque os outros tenham mais habilidade natural  física ou intelectual, ou, ainda,  por terem levado a efeito  um grande esforço pessoal que ele não esteja disposto a empreender.  Porque a ideia que cada um tem de si próprio nem sempre corresponde ao que ele realmente é, e, assim, não reconhecendo um problema interno seu,  não se conforma com o seu papel na sociedade —  mas, ao mesmo tempo, não tem condições individuais naturais para uma evolução pessoal que o eleve a um patamar desejado, ou não deseja esforçar-se para  alcançá-lo. Outras vezes, embora tenha as mesmas condições individuais intrínsecas dos mais bem sucedidos, são as condições sociais mesmas, independentes de sua vontade, que o impedem de uma melhoria. Em qualquer dos dois casos, esse sentimento de  “injustiça social”  é um elemento interno individual facilitador de relacionamentos conflituosos,  que alimentam a agressividade negativa, muitas vezes revertida   para atitudes externas de agressividade. E pode, ainda,  ser estendido a um grupo ou subgrupo social que tenha os mesmos problemas existenciais, com o qual esse indivíduo se identifica e passam, então, a atuar com uma violência grupal,  unidos pelo elo da fraternidade por  uma situação similar de descontentamento.  

Exemplo:    Em uma sociedade de consumo como a nossa, tem-se que Pedro é mais bem sucedido do que José, isto é, possui mais bens materiais. Então José  procura se igualar a Pedro — não conseguindo, vem a decepção, e, com ela, ou um sentimento contrário a si mesmo, como a depressão, ou contrário ao outro, como a inveja, a cólera, o ódio, o ciúme, a ansiedade e outros. Esses sentimentos e emoções secundários ( ou decorrentes ) trazem em si a exacerbação da agressividade, que se desvirtua e passa à violência, que não mais é um instinto, mas um comportamento racional — ao contrário daquele, trata-se de um comportamento não natural, dependente de uma elaboração mental.

4. Outros fatores

                      Há vários fatores que facilitam ou  criam o processo da violência humana, além daqueles contidos em conflitos gerados pelos relacionamentos, e que podem ser de natureza orgânica do indivíduo.
                                                       


                    Está provado cientificamente que o nosso cérebro possui uma região, denominada  límbica, a qual, incentivada por  fatores externos, funciona como um gatilho para a violência : produz uma substância que vai alterar das glândulas suprarrenais, produzindo excesso de adrenalina, impulsionando a agressividade em forma acentuada — trata-se de um fator físico e não mais instintivo e irracional, inserida  na categoria voluntária  e controlável que, uma vez  materializada na ação de ferir , esta se classifica como voluntária, não caracterizando, pois,  a classificação de instintividade. A  intensidade de capacidade  individual  desse  controle decorre de fatores psicológicos , o quais  podem estar contidos em patologias psíquicas. É, pois, de outra origem a eclosão desse tipo de violência e a Ciência  Médica tem a capacidade de influir na sua correção — o que não ocorre  no caso  do instinto, que não se trata de uma patologia, mas de uma característica do natural do ser vivo.
                        A pergunta, a esse passo, é sobre até que ponto está o indivíduo preparado internamente para controlar a agressividade  para não incidir em  violência e como as circunstâncias a que está submetido em determinado momento ou permanentemente  forçarão as barreiras que lhe impõem os conceitos morais e éticos. Estuda-se  o assunto, atualmente, de forma científica.   
     


                         Notadamente, a partir da 2ª. Grande Guerra Mundial, o grande momento de se entender toda a capacidade de violência do Homo Sapiens  moderno, onde se operaram  atrocidades que não se esperava mais no mundo, pois se havia pensado que todas elas já haviam sido experimentadas e banidas com a 1ª. Grande Guerra Mundial, que a precedera alguns anos.  Freud e outros estudiosos do assunto  mergulharam no estudo  da psique humana , espantados diante  dos fatos, passando a ser desenvolvida uma ciência  até então  se iniciando, a Psicologia, cujo campo de atuação é justamente o estudo e a procura de direcionamento positivo do comportamento humano, identificando suas causas de descontrole. E, também, notadamente com a iniciativa de Durkheim, a Sociologia  teve sua origem para o estudo das sociedades e seus efeitos sobre o indivíduo. Todo esse estudo se desenvolveu diante da necessidade de se entender o que ocorre com o ser humano, individual e coletivamente, no que tange ao disparo do mecanismo da violência —, já que , em sociedades desenvolvidas  como as envolvidas no conflito, não se poderia jamais ter imaginado que o conflito pudesse  aceitar  o  nível de atrocidades levadas a efeito, notadamente depois de terem sido tão combatidos os fatos do que o precedeu.

5. Conclusão                            

                       O que fazemos hoje, em relação ao combate à violência humana, ainda é somente a catarse, isto é, “purificação”, “expurgação” ou “evacuação”. Em tempos antigos ela era e ainda o é, tida  como método para controlar  condições psicológicas do indivíduo e das massas que pudessem  desenfrear o nível de  violência humana. Segundo Aristóteles, ela se refere à purificação das almas por meio de uma descarga provocada por um drama. Os gregos, utilizando-se das peças fenomenais que se desenvolviam em análises de sentimentos e dramas psíquicos humanos, em seus teatros, possuíam excelente método para manter sua sociedade em paz, tendo conseguido elevado desenvolvimento intelectual e moral, admirado até hoje por nossa  civilização. Nos dias de hoje, com a complexidade das relações e dos conflitos, somente a purificação não basta, pois tem efeitos  passageiros e já não consegue atingir o excesso de população existente, com o consequente excesso de  conflitos.
                                                  

                        Muitas experiências foram feitas com animais submetidos com uma população excessiva e escassez de meios essenciais de subsistência. E as cobaias envolvidas tiveram  um crescimento de agressividade e de violência individual e coletiva, assim aglomeradas (como nós nos dias de hoje, em nosso planeta super povoado e com meios naturais devastados e  poucos insumos de subsistência), que as levou a um comportamento descontrolado de autodestruição coletiva irreversível. Estamos próximos da situação dessas pobres cobaias. Espera-se que, com o ser humano, não se chegue a esse ponto, uma vez que temos condições racionais lógicas para a solução de problemas, mas devemos agir rápido e com eficiência, pois tudo depende de nós.     
                        Os antigos romanos eram excelentes administradores e  controlavam a enorme e diversificada população do seu império através de espetáculos sangrentos e terríveis contra animais e pessoas nos seus circos, em tempo de paz, e, em tempos de guerra, deixando seus guerreiros extravasarem toda a sua violência nos campos de batalha e contra seus prisioneiros, o que povos  também desenvolvidos  da América, como os Maias e os Astecas também levavam a efeito através  das constantes lutas para fazerem prisioneiros e  os sacrificarem em cerimônias  rituais  excessivamente cruentas.

                        Ficou  demonstrada, a partir  da metade do século passado, a  necessidade de uma identificação de fatores e  sistematização de formas de  compreender , para combatê-los,  esses mecanismos disparadores da violência humana , em grau elevado de civilização, educação, moral e ética.  Esta cisão  psíquica do homem moderno que é, em determinado momento, capaz de levá-lo à prática de ações voluntárias incompatíveis com a sua personalidade, é algo que tem se acentuado em nossos dias. Tanto  a nível individual e coletivo e muito nos tem preocupado no mundo inteiro, pois se trata de um perigoso fator de autodestruição da espécie que convém prevenir. 
 
                        Pelo estudo da História, sabia-se da violência humana na antiguidade. Havia, de qualquer forma, a ideia de que a Humanidade, com o decorrer do tempo e com sua evolução, deixaria o seu estágio de barbárie das guerras dos impérios de outrora, mas   tudo persiste, havendo apenas mudado os meios de praticá-las. E indaga-se, também, se é da natureza da espécie, predadora, de qualquer forma assim reconhecida, uma incapacidade de superação desse aspecto  deficiente de sadismo  , que não se encontra nas outras espécies, mesmo predadoras, ditas  irracionais ou menos racionais — o ser humano caça e  mata  por prazer, enquanto os demais o fazem apenas para sobreviver. E, além do mais, nós temos demonstrado a existência desse prazer de produzir o mal, com o exercício da violência, física ou psíquica, mesmo  nos seres de nossa própria espécie. De qualquer sorte, os casos de  torturas  que temos visto nos dias de hoje, tanto em animais quanto em pessoas, não nos trazem muita alegria ao contemplar o futuro  humano. É necessário que procuremos  modificar esse aspecto tão impeditivo  da nossa evolução moral.
                        Temos o nosso drama de violência de hoje e parece que os métodos de catarse utilizados não mais são solução para tanto. Chegou então o momento de estudarmos bem o fenômeno da nossa violência, já que dispomos de tantos conhecimentos científicos e tecnológicos para  assumirmos  a necessidade de  contermos essa que deverá ser a causa da nossa destruição — não mais a sua purgação ou purificação por uma “descarga dramática” como a guerra, mas, sim, a sua extirpação do nosso perfil sapiens  para atingirmos o perfil moralis , que é o próximo passo evolutivo, se conseguirmos chegar até lá antes de nos auto aniquilarmos. E, para tanto, é urgente que se faça um estudo multidisciplinar das causas  do início e da evolução da violência.       
 
 
                     A violência humana é como   se fora uma árvore com fortes  raízes fincadas no solo fértil da herança  que ficou selada em memória físico-psíquica de nossos humildes ancestrais, como nos disse Darwin.  Procurar controlá-la com a ação de uma atividade ou com a ação de apenas  uma ou outra  área de conhecimento ou atividade humana é uma utopia, é como o cego que julga conhecer o elefante tateando apenas a sua tromba.    
                      Frondosa, frutífera e bem alimentada pelos conflitos atuais das sociedades e dos indivíduos em si  e entre si frente à impotência  contra as adversidades e a falta de perspectiva de uma vida melhor, cresce a violência humana que se espalha e se explode como um rastilho de pólvora. Se apenas nos contentarmos em  continuar podando-lhe alguns  galhos, estes continuarão a ser  substituídos por outros mais fortes ainda, em uma expansão caótica, sem previsão de normalidade. Necessitamos atingir a raiz do problema. A fórmula a ser utilizada é a multidisciplinaridade, isto é, sua análise e combate por uma ação conjunta, integrada,  de todas as áreas do conhecimento e das atividades humanas — somente assim conheceremos a sua verdade por inteiro e poderemos, então, agir  definitivamente sobre ela.  E o tempo está passando ... e ainda não se vê nenhuma providência nesse sentido ... é uma pena!

                                                           

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(*) Ver mais em "Teoria da Restituição - O Direito do Futuro . A nova etapa evolucionária humana: a Filosofia, as Leis e as Ciências",  de Lia Pantoja Milhomens , Editora Maet, pp.265-276)