GERAÇÃO DESPERDIÇADA: SERÁ MESMO?
Parte II
A reportagem de “O Globo”
1.Introdução
Em 11 de agosto
corrente, dia seguinte àquele em que
tive o encontro com o grupo de jovens desamparados e oprimidos em frente ao Country
Club de Ipanema, li uma
reportagem no jornal “O Globo”, matutino carioca, em seu caderno de
“Economia”, página 29, intitulada "Geração Desperdiçada".
Trata-se de um artigo da Jornalista Clarice Spitz, atualmente exercendo a função de repórter da Editoria de Economia do periódico
acima referido, após realizar um estudo através de dados colhidos no IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística), em uma pesquisa levada a efeito em seis regiões do Brasil, uma entrevista com o Demógrafo José Eustáquio
Alves e uma enquete com alguns representantes
do universo pesquisado.
O trabalho ora
analisado se prendeu à relação entre EDUCAÇÃO e MERCADO DE TRABALHO. Analisando
e organizando os dados dos esquemas
apresentados juntamente com a reportagem, temos o seguinte quadro, que
pudemos sistematizar a partir da composição artística do jornal. Ali está indicado, por outro lado, em asterisco, que tudo
foi examinado “nas seis regiões pesquisadas pelo IBGE”, não tendo indicado quais seriam elas.
2. As estatísticas apresentadas
1 - POPULAÇÃO
ECONOMICAMENTE ATIVA
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Ano de 2003
Percentagem sobre 100%
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Ano de 2013
Percentagem sobre 100%
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Tempo de estudo
Jovens entre
16 e 24 anos
4 a 7 anos de
estudos................ 16,8%
8 a 10 anos de estudos............ 28,1%
11 anos ou mais de estudos..... 51,2%
Total........................ 96,1%
Taxa
de desemprego
Jovens de 16 a 24 anos:
Junho de 2003..........................
26,2%
Todas as idades:
Junho
de 2003.......................... 13%
|
Tempo de estudo
Jovens entre
16 e 24 anos
4 a 7 anos de
estudos............... 7,8%
8 a 10 anos de estudos............ 25,3%
11 anos
ou mais de estudos..... 65,7%
Total........................... 98,8%
Taxa
de desemprego
Jovens de 16
a 24 anos:
Junho de 2013 .......................... 15,3%
Todas as
idades:
Junho de 2013.......................... 6%
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2 - TOTAL DE JOVENS ENTRE 15 E 24 ANOS DE IDADE
Estimativas em milhões
de habitantes, cotados genericamente
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2000
33,818
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2010
33,644
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2020 (estimativa)
33,854
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2025 (estimativa)
32,226
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2030 (estimativa)
28,713
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Afirma,
ainda, a Jornalista, que, de acordo com o IBGE, a taxa de desemprego entre os
jovens de 16 a 24 anos no período de junho de 2003 e 2013 caiu 41,6%, embora no quadro acima a diferença entre uma taxa e outra seja
de 12,9% . E, "na média dos trabalhadores de todas as idades das seis maiores regiões metropolitanas do país, a queda foi bem maior, de 53,8%". Note-se : quanto aos jovens, não informa qual o âmbito territorial pesquisado, mas no total, apenas seis regiões metropolitanas, cuja ideia de "maiores" para a escolha de pesquisa não foi explicitada.
Como não se tem outros dados
estatísticos para comparar com aqueles das fontes utilizadas, não se pode , dentre o total de jovens entre 15 e 24 anos, em comparação com os percentuais da escolaridade e dos que trabalham, descer a detalhes que os indiquem como também não estudando, e considera-los, ao final, ociosos, ou não ativos. Então não se pode , quanto a eles, fazer uma análise da quantidade dos que passaram de estudantes a trabalhadores, de 2003 a 2013. Embora haja a afirmação de uma queda de trabalhadores acima de 24 anos , não se tem dados daqueles que, atingindo essa idade, ainda se encontram estudando (mestrado, doutorado ou outra profissão de nível de bacharelado), sob dependência paterna (por sinal, foi noticiado esta semana que a Receita Federal, para efeito de deduções do Imposto de Renda, vai passar a considerar dependentes os maiores até 28 anos, o que deve ser seguido pela assistência pública e privada). Por outro lado deveriam entrar também outros dados, como a quantidade dos inválidos de nascimento e os que se invalidassem posteriormente, o tipo de trabalho realizado. Mesmo em relação aos maiores de 24 anos, que a autora do artigo indica ter havido uma queda, não se pode comparar com os percentuais utilizados por ela para os menores e de 24 anos, pois não indica em que regiões foi levada a efeito a pesquisas e, nos outros adultos, apenas indica que a comparação foi nas seis maiores regiões metropolitanas, restringindo assim o âmbito da pesquisa específica a eles, não indicando, por outro lado, quais sejam tais regiões.
Em razão desses fatos, entende-se prematuro afirmar que a geração atual está desperdiçada. Poderia até mesmo estar a caminho disso, se outros fatores já não estivessem influenciando na correção de rumos, ou se já houvesse transcorrido o tempo dos dados indicados. Como se vê, há estimativas, para os adultos, até 2030 e, para os jovens até 24 anos, a passagem dos em primeiras idades para os 18 anos nesse meio tempo, o crescimento ou decrescimento da natalidade e a qualificação profissional dos mesmos. Como uma geração é contada de 20 em 20 anos, um exame de apenas 10 anos não chega a identificar uma geração inteira.
Por outro lado, em Ciências Econômicas, as ocorrências não são tão precisas quanto em Matemática, eis que o fator humano e do próprio mercado, em um sistema capitalista, costuma variar e modificar previsões. O mercado de trabalho flutua por dois motivos principais : a) o desenvolvimento econômico do próprio país e b) a necessária disponibilidade de mão-de-obra (desempregabilidade ) em um percentual (que a maior parte dos economistas calcula em 5% ) para que haja uma circulação de qualidade de serviços prestados, bem como o incentivo à especialização - no caso de um pleno emprego haverá dificuldade do empregador dispensar um empregado relapso e desinteressado, pois sabe que não haverá outro no mercado e o sistema vai sofrer colapso de qualidade.
3. O "bônus demográfico" e " a "cultura bacharelesca"
José Eustáquio Alves , demógrafo com
entrevista transcrita no artigo analisado, introduz a expressão “bônus
demográfico” como sendo o momento em que a parcela da força de trabalho
na população entre 15 a 64 anos de idade de um país é muito maior do
que a sua população dependente, formada por idosos e crianças. O
“bônus” seria, então, o valor do crescimento do dinheiro disponível, por não
aplicação em dependentes, para se investir em capital
econômico e humano. Mas que, para se colher os frutos do “bônus”, sempre há
necessidade de haver emprego e educação de qualidade. Por outro lado, se
há queda de natalidade no Brasil, é porque há queda de fecundidade porque
o país está mais urbanizado e a mulher está entrando mais no mercado de
trabalho e não por causa de um planejamento demográfico que levasse a uma
situação de bônus, além de existir uma educação que deixa a desejar e algumas
estatísticas serem feitas com base na “renda média”, que pode ser uma
armadilha : como há muita desigualdade populacional, generalizar-se
as formas de oportunidade pode constituir um dado incorreto. Indica
países emergentes que o aproveitaram bem e, sobre o Brasil, comenta que houve
esse “bônus” em 2000, quando havia também uma conjuntura internacional
extremamente favorável e crescemos mais, também baixando a taxa de
desemprego. Então será interessante também
se verificar essa ocorrência, e, sendo aproximada, pois também não se
desfaz do dia para a noite, o Governo investir na melhora do ensino e
qualificação do jovem.
Ainda Clarice
Spitz nos diz, na página 30 do mesmo diário matutino, que é preciso implementar
o ensino técnico, dando cumprimento à meta do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (Pronatec) – segundo ela, das 2,5 milhões de vagas, somente metade
“saiu do papel” e vamos precisar de pelo menos 5,5 milhões de
trabalhadores qualificados até 2015. E nesse mesmo local Diana Grosner,
diretora de projetos de Educação da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), informa que
o ensino médio e o técnico “têm estado
desinteressantes”, isto é, os jovens não se interessam por fazê-lo. E que o
Pronatec tem tido dificuldades em preencher essas vagas, assim mesmo.
Hildete Pereira, Professora da
Universidade Federal Fluminense, também entrevistada,
afirma que “nunca demos
importância social a cursos ligados a ofícios e damos muita atenção ao diploma.
Temos uma cultura bacharelesca”.
Comparativamente, Clarice Spitz informa que, em 2010, enquanto
no Brasil apenas 6,6% dos estudantes brasileiros até 25 anos estavam matriculados em cursos técnicos, em países
como Áustria, Finlândia, Holanda, Eslovênia, Suíça, essa taxa supera os 70%.
4. Análise crítica
Com os dados de estatística do IBGE fornecidos na primeira
parte da reportagem, a fls. 29, não podemos chegar à conclusão de uma “geração
desperdiçada”, pelos seguintes motivos :
-
Não são informadas quais as 6 regiões sobre as quais foram feitas as
estatísticas.
-Nas populações
jovens analisadas, não ficou explicado se, não trabalhando, continuam a
estudar em cursos superiores, e, sendo assim, continuam a ser dependentes dos
pais ou possuem bolsas de estudo – isso não é desperdício, mas investimento.
- Nas populações jovens analisadas não ficou
explicitado qual a quantidade de jovens entrevistados que pertencem a dois
fenômenos tipicamente brasileiros, já detentores de apelidos nos meios
econômico-financeiros: o contingente dos “nem-nem”, ou seja, os que nem
trabalham nem estudam ; o contingente dos “nem-nem-nem”, ou seja, os que nem
trabalham, nem estudam, nem procuram fazer uma coisa ou outra – seria interessante fazer um estudo
sobre isso para incentivar esses jovens ou ao trabalho ou ao estudo.
- Sabe-se que no Brasil, principalmente nos
meios mais cosmopolitas, é comum encontrarem-se jovens de até 30 anos sem
trabalhar, mas que continuam a estudar, dependentes dos pais, eis que, após a
Universidade, passam a cursar a pós-graduação, ou o Mestrado e, depois, ainda,
o Doutorado, quando não iniciam outro curso, pois não têm certeza de sua real vocação; e que, depois de tudo, nem sempre encontram trabalho, ou por
excesso de especialização, que ainda não
consegue tantas vagas em nosso mercado, ou, encontrando , não se
conformam com um salário mais baixo porque não têm experiência, ou ainda porque já estão com idade avançada (acima dos 35 o trabalhador já encontra muita concorrência), ao passo que
outros, não tão equipados de títulos têm maturidade existencial e experiência de trabalho e de mercado, sendo, por isso, muito mais necessários ao mercado de empresas contratantes. Essas
pessoas fazem parte do contingente adulto não contido nos jovens analisados na
reportagem, que somente vão até os 24 anos – assim, faltam dados a analisar
quanto à taxa de desemprego.
- Deve-se fazer um estudo, também, da situação econômica dos envolvidos nas estatísticas, como, por exemplo, se estão ali incluídos os jovens carentes ou
com desvio de conduta, sob a responsabilidade dos estabelecimentos estatais ou
ainda de rua ou em situação de risco social, conforme definido pela UNICEF.
- Existe, sim, no Brasil, uma
carência muito grande de técnicos de
nível médio, tanto no comércio, na indústria, como nos serviços, onde as vagas
para tanto são muitas e muito bem remuneradas, muitas vezes em quantia mais elevada do que a destinada aos cursos universitários, e muito pouco preenchidas, apesar da grande demanda dos
diversos setores.
- Existem cargos de serviços técnicos
que oferecem salários iniciais muito superiores aos salários de profissionais
da mesma área com nível superior, mas os jovens não se habilitam a eles, ou por
preconceito deles mesmos ou da própria família, por não ser um “bacharelado”, que
ainda dá muito “status” social – esse é um caso de muita ocorrência na área da
computação gráfica.
- O Brasil investiu muito na facilitação
de abertura de Faculdades e fez muita ênfase nesse ponto – nem todas têm
qualidade e, portanto, não podem dar ao seu estudante o mesmo nível de
conhecimentos daquelas que têm melhor qualidade. E, no mercado de trabalho, não
é o título que dá preferência, pois a concorrência é grande e apenas os
melhores são aproveitados. O que se vê é muito “doutor” que se dedica a outras
profissões diferentes da sua, embora muito honradas, mas que não correspondem,
em tempo de estudo, ao usado para frequentar a faculdade. Em suma, a)
não tendo frequentado o ensino técnico de nível médio daquela profissão, ou a
pessoa não tem a prática suficiente para
o seu exercício, porque o ensino superior tem outro tipo de proposição, ou
porque se sente diminuída em exercer uma profissão que consideram um “minus” em
seu currículo; ou b) porque a
profissão não admite esse nível (como o de Advogado, por exemplo), e o mercado
já se encontra saturado – não sendo ricas as pessoas nesse caso, a ponto de viverem de “rendas”, necessitam trabalhar , pois já estão ficando
muito maduras e não contam mais com a verba paterna para sustenta-las. E, em
ambos os casos, vão para outras profissões, muito dignas também, que podem até
lhes dar um rendimento superior ao que teriam se prosseguissem no trabalho em sua
profissão, mas se sentem inconformadas existencialmente, podendo chegar à
depressão.
5. A Cultura do Bacharelismo
O principal de
tudo, conforme comenta a Professora Hildete Pereira, é a cultura do
“bacharelismo” brasileira. Desde a nossa fase de Brasil colônia, quando a corte
de D. João VI veio para cá e os nativos puderam conviver com a nata europeia do ensino superior que os
acompanhou, ficou o hábito das famílias abastadas de enviarem seus filhos para
estudar na Europa, o que passou a significar um nível elevado de “status” econômico-financeiro dos
“barões do café” e dos grandes latifundiários , quando o país ainda era
essencialmente agrícola. Esse costume foi logo
seguido pela classe média, desejosa de ascensão social, que fazia os maiores sacrifícios para enviar o filho mais velho que, mais tarde, trabalhando,
ajudava os demais.
Ocorre, contudo, que essa
prática foi anterior à industrialização
mundial, quando valores e formas de atividades mudaram, criaram-se indústrias e
comércio, a economia se transferiu mais para a cidade, onde a mão-de-obra
valorizada passou a ser a de conhecimentos técnicos nas novas descobertas. Nos
países que logo se adaptaram a ela a escravidão foi de pronto abolida, mesmo que
de forma sangrenta, modificando-se também esse tipo de trabalho exercido por
máquinas e trabalhadores braçais contratados. No Brasil esse processo foi
lento. E, lenta, também, a mudança de mentalidade bacharelesca, que faz parte
de um passado já inexistente. Mas ninguém tomou uma atitude séria e organizada, ainda, para que
mude.
E isso não foi diferente com a classe média
emergente nos últimos anos . É aqui que
cabem os exemplos que dei na parte I: do
motorista de taxi que trabalha 18 horas diárias e do porteiro do prédio que quase não vive,
tantos são os sacrifícios para manter seus dois filhos na Universidade. Todos desejam seus filhos "doutores", mas nem todas as pessoas têm habilidade intelectual suficiente para cursarem uma faculdade, quer por suas próprias características internas, como quantidade de inteligência, quer pelo próprio contingente vocacional que vai adquirindo no decorrer de sua formação : muitas pessoas são muito bem sucedidas econômica e financeiramente e são felizes com o que fazem, enquanto muitas outras conseguem seu título de bacharel, mas nunca conseguem uma situação satisfatória nela, ou porque não gostam do que fazem, ou porque não atingem a qualificação mínima exigida no mercado de trabalho competitivo de nossos dias.
Eu, na verdade,
nunca fui a favor do estabelecimento de cotas nas Universidades, porque sempre
achei que seria causa de mais um elemento de discriminação, nos anos seguintes à
formatura desses contingentes de pessoas: quando alguém entra na Faculdade
pela cota ele próprio já estabelece a presunção de que o faz porque não possui o devido preparo
educacional para tanto, o que lhe dá, por sua própria iniciativa, uma subcondição dentre os demais – isto
porque, uma vez lá dentro, as aulas serão dadas em função de quem tem o devido
preparo (não se pode, agora, apenas para atender aos cotistas, baixar o nível de ensino - em algumas faculdades, onde o nível de ensino já é mesmo baixo, não se sente tanto esse problema, que só vai se fazer sentir depois, ao se procurar emprego). E, ou essas pessoas cotistas vão precisar de aulas de reforço, ou
então estarão sempre muito atrasadas em relação aos demais, sendo isso causa de
muita desistência ou de não encontro de
emprego, se conseguirem concluir curso, já que o setor privado precisa de pessoal
competente para lidar com uma realidade cada vez mais bem capacitada intelectualmente, nesse mundo globalizado, em que lida
com elementos de indústria, comércio e serviço em pé de igualdade com países
muito desenvolvidos.
Mesmo entre as famílias de bom nível financeiro e econômico ocorre o problema do indivíduo não conseguir uma boa qualificação profissional, em função de incapacidade para o nível superior. Isso sempre foi dessa forma, desde séculos passados, nos países em que a mão-de-obra universitária se faz necessária. E muitos dos países que conseguiram um bom desenvolvimento compreenderam isso há muito tempo e investiram nas profissões de nível técnico médio ou superior, tendo aproveitado um contingente populacional extraordinariamente dedicado e operante, tão necessário quanto os outros, dando-lhes, com isso o devido respeito social e a necessária alegria de trabalhar, que faz o progresso individual e coletivo. O que eu e outros
entendemos, na oportunidade dos debates sobre o "sistema de cotas", é que o Governo, no caso específico do Brasil, onde o ensino médio é muito fraco, deveria ter feito um esforço
incomum de fortalecê-lo, em cursos complementares de um ou dois anos,
que habilitassem os nossos jovens, tanto a entrar logo no mercado de trabalho e adquirirem prática, como também para habilita-los, em igualdade de condições com todos os demais, a concorrer às vagas em Universidades - universidades estas que deveriam ter bastante qualidade de ensino. Mas fomos vencidos – e
agora, já decorrido um ano ou dois da formatura das primeiras turmas a partir da
institucionalização dessas cotas, vê-se que houve muita desistência de
cotistas, que ficaram desiludidos consigo mesmos, pensando que o problema do
não aprendizado é seu e que, por outro lado, grande parte dos outros, com o
diploma, em entrevistas em divisões de RH das empresas, não consegue a vaga
pretendida e não entendem porque os outros são aproveitados, e eles, não:
continua, pois, o problema do sentimento
de exclusão social, de preconceito, etc.. E, na verdade, não é isso que sucede.
Alguns
alunos cotistas, por esforço pessoal, por auxílio de terceiros, ou, ainda, por
inteligência acima do normal, conseguem se sobrepor a todos esses
problemas acima indicados e alcançar boa
situação, tanto dentro dos cursos
escolhidos, quanto dos empregos, ao final. Mas isso já ocorria também antes da
institucionalização desse sistema e
conheço vários casos de pessoas de muito valor e muito conceituadas, naquela
época e hoje, demonstrando que não havia preconceito nem de cor nem de classe social,
mas, sim, falta de conhecimentos. Cito, por ser fato notório contado por ele
próprio, o caso do atual Presidente do Supremo Tribunal Federal. De família
humilde, sem recursos, não havendo nenhum sistema de cotas nas Universidades, trabalhando grande parte
do tempo, concorreu com os demais e, por
sua inteligência, estudo dedicado e
força de vontade, conseguiu alcançar tão elevado cargo que muitas pessoas, com
as melhores condições de vida e financeiras, embora desejem muito, não
conseguem obter. Muitos outros casos são conhecidos e que encheriam várias
páginas, em todo o Brasil e em todo o Mundo, mas, por não serem notórios, não
podem ser comentados. Grandes magnatas norte-americanos conseguiram elevadas
posições, partindo de quase nada, por desforço
próprio, no final do século XIX e início do XX (Rockfeller, Carnegie,
gênios das finanças, Edison, gênio inventor).
6. Conclusões
Todo
esse desprezo pelo curso técnico profissionalizante no Brasil é, pois, em muita
grande parte, decorrência de uma “mentalidade destorcida de bacharelismo”, que
ainda grassa tanto na nossa sociedade como um todo, como nos atores da administração
pública brasileira (que são egressos mesmo dela) – talvez por isso não se
tenha ainda criado uma campanha massiva e maciça a favor do ensino técnico. No
caso brasileiro, em que o fato é, principalmente da necessidade de se modificar
uma mentalidade, essa campanha a favor do ensino técnico é essencial. Em países desenvolvidos, em que a
mentalidade é de abertura globalizada e universalista, tal não ocorre :
nos Estados Unidos, os estudantes que não são ricos, e até mesmo estes,
utilizam suas férias para trabalhos,
como de recepcionistas, balconistas, jardineiros, e não se sentem diminuídos
por isso – mesmo os bolsistas , que são sempre os melhores alunos, fazem essa
atividade, pois necessitam de numerário para se manterem em suas necessidades
vivenciais que não dizem respeito especificamente à anuidade dos estudos. O ensino técnico é largamente disseminado ali, com “status”
social elevado, bem como nos países
indicados na reportagem (Áustria, Finlândia, Holanda, Eslovênia,
Suíça). Conheço um protético suíço que
se estabeleceu no Rio de Janeiro, muito competente em seu trabalho, um mestre,
respeitadíssimo no meio Odontológico, cujo rendimento financeiro é superior ao da maior parte dos
Odontólogos, com um laboratório muito grande e bem equipado na Barra da Tijuca com máquinas estrangeiras de última geração :
entrando-se lá, tem-se a impressão de se estar em uma grande espaçonave
futurista, tal o grau de modernidade e
de qualidade.
Poderá
algum cético “bacharelista”, a esta altura, perguntar-me: “Por que você mesma,
ao invés de cursar Direito, não fez um curso técnico?”. Já narrei, na primeira parte desse trabalho,
um tanto desse fato e agora respondo a esta pergunta com o seguinte. Eu fiz sim,
um curso técnico, o de Relações Públicas, na Fundação Getúlio Vargas – Escola
de Administração Pública do Rio de Janeiro, no início dos anos 60 do século
passado, que logo no ano seguinte foi reconhecido como de nível superior,
através de lei especial, mesmo antes da área genérica de Comunicação Social,
e pratiquei essa atividade durante muitos anos, o que me concedeu muita
experiência. Essa experiência, tão necessária àquele que vai ingressar no mercado de trabalho, é um "plus" de qualificação profissional que só se adquire com a prática da vida. E até mesmo nos auxilia a encontrar a certeza da escolha da profissão, após passada a fase de adolescência que vai até os 21 anos. Para mim, essa prática facilitou em muito a prática das funções que exerci e ainda exerço na
área jurídica. Antes de ter contato com as diversas realidades das muitas atividades, envolvendo-se com elas em práticas diárias, o jovem tem uma visão idealizada e teórica que o faz perder muito tempo em adaptar seus conhecimentos às atividades necessárias - e se começa a ter essa experiência somente após o curso de bacharelado, estará perdendo muito tempo que outros já superaram. E, talvez, a forma pragmática do exercício profissional até o desenganem da mesma, pois nem sempre conseguem se adaptar a uma visão pragmática do que idealizavam através de proposições teóricas - estas são ótimas, mas como instrumento necessário para o exercício da realidade. Por isso existem hoje tantos jovens e até adultos sem alegria de viver e de trabalhar - vivem por viver e trabalham por trabalhar e nunca conseguem se destacar em nada que iniciam.
De certa feita, em minha página no Facebook, uma jovem escreveu-me, dizendo que estava
desesperada e não sabia o que fazer da vida porque sua mãe, que a sustentava, perdera uma pensão
em razão de algum motivo e não podia mais
pagar a sua faculdade de Direito e que, por isso, sua vida estava acabada. Respondi-lhe que ela tinha duas coisas muito importantes a
fazer : 1º.) recordar-se de que era
uma jovem com uma cultura básica boa,
pois afirmava ter até o 2º. ano do curso e de que era uma pessoa saudável e em
idade de trabalhar, quando tantas outras pessoas, com graves deficiências
físicas, não desistem; 2º.) que poderia trancar sua matrícula, procurar um
trabalho durante o dia, talvez mesmo como uma secretária em um escritório de
Advocacia e, encontrando-o, retornar à Faculdade e estudar à noite. E, talvez, até mesmo
ajudar a sua mãe no sustento da casa, tornando-se mais feliz do que continuar em uma situação de dependência e não tomar contato com a vida em sua realidade, que nos apresenta tantas oportunidades existenciais. E, por outro lado, essa experiência de um ou dois anos lhe seria como uma nova matéria em estudo e, então, daí a pouco estaria formada - nessa idade, um ou dois anos bem aproveitados em trabalhos úteis são mais frutuosos do que sonhos com uma realidade feita de sonhos . Recebi, depois de alguns meses, outra postagem dela, uma
resposta carinhosa, agradecendo a ideia, que já encontrara um emprego ,
afirmando que, em determinados momentos, a pessoa fica mesmo sem saber o que
fazer, e que valem os conselhos. Notei, então, que estava mais amadurecida e pronta para encarar a vida com confiança e terminar o curso tão desejado, sem os tormentos das dúvidas e das incertezas.
Em resumo: todas as grandes nações que
conseguiram desenvolver-se contaram com povos com ideias avançadas e
pragmáticas, que não comportam ficar à espera de que apareça algum milagre ou algum “salvador da
pátria” que os sustente gratuitamente, pois
a ajuda para a Nação se tornar forte e desenvolvida vem de cada um dos
seus nacionais. Mas que, para tanto, é necessário também que o Governo e os
grandes conglomerados da atividade particular deem sua parte: o primeiro,
criando as condições de estudo e incentivando programas com prazo para início e
término e envidando esforços financeiros para mantê-los e, os segundos, agindo
como os antigos “mecenas”, fornecendo desforço econômico e abrindo suas portas
para o treinamento dos nossos jovens estudantes, principalmente dos cursos
técnicos.
Tudo isso implica em uma grande mudança de mentalidade – mas, somente
assim o Brasil pode aproveitar toda a força dos seus cidadãos. Mesmo daqueles
mais carentes, desprovidos até do apoio de uma família ou que, já em
comportamentos desviantes, sejam encaminhados a instituições adequadas à
solução de seus problemas.
Eu serei muito feliz se, antes de deixar este mundo, puder passear pela Praia de Ipanema e contemplar jovens com futuros promissores, sem necessidade de esconder de si mesmos, na realidade fictícia de drogas ilícitas, a infelicidade de uma vida sem perspectivas de um futuro melhor. E, para tanto, tenho dedicado muito do meu esforço existencial. Na parte 3 dessa Postagem, estarei colocando ideias de algumas providências em curto prazo, para o aproveitamento dos nossos jovens carentes, a serviço do desenvolvimento nacional, como eles merecem, para o seu e o nosso bem. São destinadas à execução pelo Governo e por Empresas Particulares, contidas no meu livro escrito em 2011, intitulado “Delinquência Juvenil – Infraestrutura da Criminalidade Adulta”.
Façamos , então, agora, já, porque o tempo urge, uma campanha maciça para tornar o ensino médio excelente, par e passo com o ensino profissionalizante e, então, jamais chegaremos a ter nenhuma "geração desperdiçada". Estou fazendo a minha parte, façam a de vocês!