sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O PODER, O SER HUMANO E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS


O PODER, O SER HUMANO E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS



A Sombra
                                         
   1. Introdução    
                     Vou falar genericamente sobre problemas  próprios do ser humano, que podem levar  governantes a praticarem  atos  contra  os cidadãos que governam (como ocorre hoje  em vários países, emergentes ou não), de uma violência espantosa e nefasta aos fins do Estado de Direito, chegando a causar repulsa aos demais membros da   ordem mundial e  causando  terror aos que a eles assistem pela Internet ou pela mídia televisiva.

                    Trata-se, também aqui, de uma tentativa de nos aproximar de um entendimento dos  princípios que norteiam todas as novas manifestações das sociedades em  vários países, tanto do Ocidente quanto do Oriente, em que é demonstrado um descontentamento  incondicionado das populações com o status quo das administrações dos  vários  Estados que as contêm. Elas guardam semelhança tanto em relação à forma dos  protestos, quanto em relação à forma de serem reprimidos : iniciam-se pacíficas,  tendo como estopim algum acontecimento pontual que se soma ao potencial descontentamento preexistente na maioria dos setores sociais e, dada a reação desproporcional  das forças governamentais, nas mais das vezes violenta, fogem ao controle e se inicia quase que uma guerra civil, quando não chega até ela, como ocorre na Síria até hoje, em níveis que horrorizam a todas as outras Nações. Em prosseguimento aparecem aqui e ali, posteriormente, outras manifestações, desta feita já com indícios de violência por parte de integrantes da própria sociedade que dela reclama, enquanto os manifestantes pacíficos ou desaparecem ou se transformam em edições violentas de uma nova forma de protestar, chegando, por vezes, à situação de vandalismo.
                        A primeira tarefa que nos cabe e a primeira dificuldade que se nos depara  para a teorização do tema é a necessidade de classificação do conceito desse comportamento desviante da conduta desejável em uma sociedade, desde que  normalmente administrada. Essa necessidade  primária ocorre por dois motivos:
                                    - primeiro, porque a definição  de um conceito é, na sua própria medida, a construção do nosso objeto de análise, essencialmente estratégica porque é através dela que “abrimos os olhos”  para a realidade; e, citando  Robert Merton, “nós reagimos, não à situação real, mas à situação conceitualizada” (*);
                                   - segundo, porque, de qualquer forma,  ensina-nos a teoria metodológica  que a clarificação de um conceito-chave é, em si mesma, a base para a reformulação de correlações hipotéticas inéditas  até então, assim como para a formulação de sub-hipóteses  e escolha de variáveis até então desconhecidas nas atitudes comuns de grandes contingentes sociais em vários segmentos humanos que não guardam entre si qualquer vínculo de subordinação ou  história  sócio-evolutiva em comum;
                                 - terceiro, porque, como já nos indicava Plutarco, em seu célebre trabalho contido no livro “Vidas Paralelas” : “ O varão ilustre pode ser fruto da educação e do ambiente, mas não é um joguete dos fatos. Estes não passam de consequência lógica, “necessária" (anankia) daquela energia complexa, muitas  vezes inapreensível , que flui da estrutura ética do indivíduo ... o homem é anterior ao empreendimento, está votado  ao empreendimento pela fatalidade  mesma daquilo que é . O vir-a-ser nunca o modifica: Sila, até o último instante, é o Sila implacável e atroz das primeiras aventuras políticas ao lado  de Mário " (**) .
 

                      Assim, para entendermos fatos do presente, é sempre importante revermos ocorrências do passado, eis que a estrutura do ser humano não se modificou e as sociedades que organiza sempre guardam, desde os tempos antigos,  as semelhanças decorrentes das influências individuais sobre o coletivo e vice-versa, mais uma vez  invocando, nesse particular, o comentário de Matos Peixoto às observações de Plutarco sobre as vidas dos grandes influenciadores das diversas sociedades do seu tempo, que guardam paralelismo existencial e de influência sobre os outros homens distanciados dele mesmo e  entre si pelo  tempo e pelo local em que viveram.
                   Talvez falte aos atuais Homens de Estado  uma amplitude de visão das ocorrências mundiais, um estudo ao menos superficial das verdades históricas a nortearem sua conduta,  com uma projeção de um futuro desejável e provável, ou seja, o conhecimento da realidade passado-presente e  de um planejamento adequado para uma realidade futura adequada ao que se deseja como bem-estar social. Isso é muito necessário a um governante,  como  até mesmo  para o dirigente de um grande conglomerado  empresarial (os chamados  homens de visão,  visão essa tão necessária para a boa condução dos negócios) . De qualquer sorte, o Mundo se ressente da  falta, em nossa atual geração de políticos, no Ocidente e quiçá no Oriente, de  Grandes Estadistas, de  Grandes Líderes Mundiais,  que somente apareceram  até o último terço  do século passado. Vejamos, então, como esses Grandes  Líderes e Estadistas  observavam as sábias colocações de  Plutarco:
                       Moralista na mais alta acepção do termo, o historiador grego tem propiciado boa escola aos chefes de homens que tiveram a ventura de viver depois dele. Nenhum estadista de sucesso, de Marco Aurélio a Winston Churchill, deixou de lê-lo e compreendê-lo. Nunca deixou de encontrar nele inspiração e advertência. Se, em nossos dias, a inépcia dos governantes anda a provocar tantos destemperos e tantas perplexidades, é que a reflexão histórica tem estado ausente de sua preparação político-cultural.
                     Plutarco escreve para o homem “político”, na acepção aristotélica. Vale dizer, não compreende o homem a não ser em sua inserção social, onde atinge a plenitude de suas faculdades e se torna a  “maravilha maior” de que falava Sófocles. (***) 
                    E é  atendendo a esse ponto de observação  ensinado por  Plutarco em sua  inestimável obra histórica, que passo a analisar os fatos de hoje, auxiliada pelos elementos elucidativos que a Sociologia e Psicologia, modernas armas do investigador atual, nos fornecem.


 
2. O Homem e suas Circunstâncias
       
                      Carl Gustav Jung, explica a multiplicidade  de escolhas  dos atos em um ser humano, provocadas por impulsos do inconsciente, o que vem a ter como consequência as várias facetas da personalidade humana individual. A propósito foram levados a efeito dois filmes excelentes, que não são do tempo dos mais jovens, os quais  abordaram o tema e podem ser descritos em páginas da Internet. Se você desejar  se aprofundar no assunto, pode procurar na Internet  por  : “As Duas Faces de Eva” , que aborda a dupla personalidade como um fenômeno  normal em  uma pessoa comum e “O Médico e o Monstro”, que apresenta a dissociação da personalidade de um  intelectual e cientista,  da bondosa e íntegra pessoa de Dr. Jekyll, para a  convivência e coexistência  com o  pervertido Mr. Hyde, como componentes da mesma pessoa.
                     Coloquei na postagem anterior (de 13 do corrente)  o texto explicativo do renomado criador da Psicologia Analítica .   Poderia parecer que não houvesse um elo entre aquele texto e o que estou a escrever hoje. Mas coloquei-o ali justamente para lhe dar um destaque especial,  assim como foi especialmente ilustrativo para o meu trabalho de hoje,  que se refere à procura do entendimento do  mecanismo  disparado no inconsciente dos indivíduos que atingem o “Poder”, em qualquer estágio ou grau de abrangência, como também, sob outro ponto de vista, daqueles que se reúnem em multidões para oferecer-lhes protestos.  Mas o meu foco, hoje, é quanto ao indivíduo que  o alcança e o exerce.

                    Faço, dessa forma,  uma breve análise de como os atos decorrentes  do Poder em mãos do ser humano, genericamente,  apresentam-se em nossa realidade sensorial, após a elaboração psíquica do indivíduo, a que não temos acesso, nos casos concretos. Ora se apresentam como atitudes extremamente éticas, ora como  atos  destrutivos do entorno social, que atingem o todo ou parte dele. Algumas vezes o indivíduo chega, até mesmo,   ao ponto de  fazer uso dos atos  mais torpes e cruéis,  quando o detém, e  mesmo para conservá-lo em um único governante   absolutista ou em um  determinado partido político que alcançou o poder por meio de sufrágio popular. 

                    Observamos, então, que há   uma diversidade  de reações ao "Poder".   E podemos apreciar, através da História, as suas  mais diversas formas, que vão  de atos sublimes de renúncia e dedicação, até aqueles  de corrupção material ou  imaterial (compra e venda,  com dinheiro ou vantagens materiais e políticas e de carreira no Governo,  de auxiliares que sejam capazes de ajuda-lo incondicionalmente), chegando mesmo ao  envolvimento dos seus detentores  em completa loucura e genocídio (como exemplos recentes, temos os mais conhecidos  : Hitler, na Europa, e Pol Pot, no Cambodja). E em todas as épocas  e locais são levadas a efeito as  repetições  desses comportamentos assim tão diversos e, por vezes,  opostos.
 
                     Então, há que se analisar, em princípio, duas hipóteses:


                                         a) o ser humano que imprime sua personalidade, bem ou mal formada, à  prática  do Poder, desviando-o de sua finalidade de bem servir a sociedade para atingir os seus desejos pessoais, quando, então,  a influência do fator pessoal do indivíduo que alcança e mantém  a "chefia sobre homens", antes e depois,   é realmente quem provoca a corrupção;

                                        b) se é o Poder em si que corrompe o seu detentor , destorcendo a sua personalidade  , de acordo com a célebre frase de  Dalberg-Acton).

                      E, ainda, há uma  terceira hipótese, que é a conjugação das duas anteriores, isto é, se já havendo em cada ser humano uma gama de estímulos e tendências inconscientes, produzindo diversas facetas da personalidade, o fator externo da "chefia de homens" não seria um elemento propulsor (um estopim) para desencadear  a dissociação de personalidade em indivíduos que não possuem a estrutura psíquica suficiente para o autocontrole.

                      Trata-se, como se vê, de um assunto complexo. E uma análise não pode dividir os vários fatores como acontecimentos estanques, eles se entrelaçam, para que cheguemos a uma conclusão. O Poder tem várias facetas: o ponto de vista do que o detém, o do que o concedeu, o do que é atingido pelo seu exercício e também o da História, que vai aquilatar a necessidade ou não de determinados atos do seu detentor, de acordo com os resultados.  De qualquer forma, ele é um instrumento para a evolução da Humanidade, já que as sociedades humanas existem para um fim evolutivo e, não, para o retorno a tempos antigos, quando direitos naturais e políticos  eram abafados e  dizimados. Sendo o ser humano um "animal político", na afirmação aristotélica, ou não, a verdade é que a sua meta existencial, dependente de sua evolução, depende de uma ação em conjunto e em todo e qualquer ser da natureza que alguma vez pretendeu escapar da extinção, ela foi necessária. 

                    Como nós somos elementos complexos, diversamente  de musgos ou parasitas inferiores, que se reúnem em "colônias", há necessidade de  uma  organização - e, por enquanto, ainda não surgiu  outra ideia melhor do que o estabelecimento de uma "hierarquia organizada" para  conseguirmos manter o necessário liame que nos levará  à meta optata, ou seja , a evolução da espécie.  

                   Se os acontecimentos mundiais referidos estão a indicar a necessidade da revisão desse tipo de "hierarquia organizada", talvez tendente a uma governança  a nível de  "organização mundial", em que as fronteiras nacionais  se subordinem a um Poder Maior de Unidade Planetária, é chegado o momento de meditarmos sobre o assunto. E, para tanto, é necessário analisar o que se passa no mundo real de hoje, tanto no tempo quanto no espaço das novas necessidades humanas : a verdade é que somente com a intervenção de Nações mais estabilizadas e mais desenvolvidas, e organismos internacionais, é que se tem conseguido debelar problemas  internos  nacionais. Mas, para tanto, de acordo com as normas atuais de Soberania , essa intervenção somente pode ocorrer perifericamente e quando  chegam a um clímax de ameaça de desestabilização da  Paz entre as Nações ou que causem horror  às organizações humanas fora deles (a que nos referimos desde o início). E até que os detentores do Poder Local decidam parlamentar e conceder espaço às sociedades reivindicantes, muito se tem perdido em face a valores e vidas humanas, nas mais das vezes irrecuperáveis. Procuremos, pois, fazer essa análise.         

                        Todo e qualquer estudo que se faça  sobre os fenômenos sociais envolve, forçosamente, a análise do ser humano em si e em relação  aos demais componentes da sociedade , quer no sentido da influência que exerce sobre ela  quer se trate da que dela sofrem. E, nesse aspecto, sendo o indivíduo o centro de atenções da organização humana, que tem a intenção de evoluir e atingir um clímax de felicidade, é de todo necessário que este seja entendido. E, para tanto, não bastam os estudos dos cientistas  do seu  componente material — destacando-se que a Medicina está muito avançada nesse aspecto —, mas, também, do seu componente imaterial (que os antigos chamavam de “alma”, como nos explica Jung no texto já referido e postado no dia  13 passado), cujo estudo somente agora  se inicia com a mais nova das ciências , a Psicologia.
 

                      A esta altura, pergunto-me: sendo  a Democracia  o melhor dos sistemas de governo, como já ficou provado pela História, por que em nossos dias  está havendo uma crise terrível de governabilidade, não só em países onde impera ainda o  totalitarismo, como no Oriente, mas em  outros com o governo democrático estabelecido há muitos anos  ou mais recentemente, a ponto de os cidadãos estarem sofrendo torturas generalizadas que a todos escandalizam e espantam?  Ou será, como alguns dizem, o fim do Capitalismo, ou, então, que há um prazo de validade para qualquer forma de organização política humana?

                     E a resposta me vem da análise de vários fatores: Não. A crise é do ser humano, que se desviou da sua rota evolutiva,  deixando de estar  à altura dos elevados ideais daqueles nobres  fundadores  dos novos Estados Nacionais, que se formaram a partir da Revolução Francesa, deixando-se  arrastar por um materialismo inconsequente que valoriza o “ter” mais do que  qualquer  realidade do “ser”,  abafando  os  sentimentos mais sagrados dos direitos naturais  do ser humano, sob  um manto  da necessidade de um consumismo desenfreado para manter a máquina política mundial que gira em torno do novo  deus  mais adorado da vez : o dinheiro.  

                    Em  torno de todo esse emaranhado de conceitos essencialmente materialistas,  o que mais ambiciona o ser humano  é o Poder de controlar a máquina  nacional. E os cidadãos  são a massa de manobra de todas as tendências políticas, pois são eles que produzem os bens de consumo e, ao mesmo tempo, consomem  o que é produzido, fazendo, assim, a circulação maior ou menor  do capital necessário  à condução da vida moderna. E nesse trabalho incessante de ser o produtor/consumidor , o cidadão deixa de ser um cidadão, pois não tem mais tempo ou oportunidade de  dedicar-se ao mister  da cidadania ( Aristóteles nos define como animais políticos) e os seus componentes psíquicos vão-se emaranhando e finalmente explodem em um grito  de revolta pela perda de seus valores humanos essenciais, sem os quais a vida se torna insuportável. E, o mais estranho, é que aqueles que foram eleitos por eles nem percebem o mal que estão causando à sociedade de onde provieram e para a felicidade da  qual, teoricamente, deveriam dedicar a sua existência, durante o prazo estipulado para o exercício do seu mandato (ou para toda a sua vida, nos  Estados onde impera a monarquia hereditária).
                     Um adágio popular moderno nos diz que “um dia  chega a conta”. Parece que ela chegou, a crise é mundial. Tenho visto e lido em noticiário os governantes desses Estados onde o povo está falando de suas agruras, com um sentimento generalizado de angústia e revolta, que  têm “ouvido a voz das ruas”. Já escrevi neste blog , em outra oportunidade, que, sim, é verdade que todos ouvem, pois não temos conhecimento de nenhum governante surdo, mas será que eles entendem o que ouvem e, entendendo, será que eles estão dando as respostas adequadas? Aqui e ali acontecem fatos horríveis, o mundo está horrorizado, os governantes atacando os seus governados, em relação a quem eles têm o dever  de proteger, e prendem-se ao Poder com  mãos tão  fechadas quanto garras de aço, sem  qualquer sentimento em relação aos seus semelhantes. Esquecem-se de que, sem o povo, não há Nação, e, sem Nação não há Estado. E aí, o que fazer para que eles entendam?
                    
3. Se não têm pão, que comam brioches.
 

 
                    Não, não posso ficar calada em um momento desses. É verdade que estou fazendo um trabalho aprofundado sobre o assunto e em breve o levarei a público e tenho conhecimento de outros colegas que também procuram uma luz filosófica para iluminar esse túnel negro em que  poucas pessoas , talvez anestesiadas pelo pouco preparo que têm em matéria de governar, estão fazendo  tantos mergulharem.
                    E não posso deixar de pensar na infeliz Rainha de França, que ao escutar as multidões nas ruas de Paris, revoltadas porque não tinham pão, usando da moda dos aristocratas da época, ousou fazer uma “tirada de espírito”, brincando com o sentimento humano e disse a frase que ficou  célebre para  sempre, para definir  os governantes impiedosos : “Se não têm pão, que comam brioches!”                  
                    Hoje, quando o povo clama por mudanças essenciais, não de pão, mas de direitos inerentes à natureza do ser ,  os modernos governantes , que até aqui usavam a técnica romana de lhe dar “pão e circo” , já não os mandam  comer brioches, mandam que lhes  acertem tiros nas cabeças.

                  Ah, tristeza! Tenho rezado  incessantemente a Deus, nesses dias terríveis,  pedindo que proteja nossa Humanidade, pois estamos caminhando a passos largos para o final trágico. Invoco o espírito de nossos mais valorosos antepassados que nos legaram o que de bom ainda temos em nosso Mundo para  colocar juízo nessas pessoas tão despreparadas : o que está faltando é bom senso e boa orientação.                    
 
                  Mas, para que eles venham até nós, e nos tragam a Paz, é preciso que a mereçamos. A paz está ameaçada, pois ela  começa em nosso coração, e ele está ferido e sofre. Daí ela  deve manter-se em nossa psique, para que possamos racionalizar e materializar atos que desmanchem a violência decorrente da incompreensão, da inconsequência. Cada um de nós deve elevar seus pensamentos Àquele  em que acredita e procurar dar sua parcela de contribuição de energias positivas para salvar nossa humanidade. A única figura que se apresenta aos meus olhos, no momento, é a daqueles imensos Dinossauros  gritando e agonizando depois de toda a predação que levaram a efeito há muitos milhares de anos e a Natureza estupefata  assistindo à odisseia  dos gigantes  inconsequentes — deve ter sido um terrível Apocalipse. O nosso certamente será mais terrível, pois somos predadores de nós mesmos.
 
4. É o Poder que corrompe ou é o Homem que o corrompe? 
                                               


                Quando jovem, não tendo ainda a experiência de vida suficiente para conhecer na prática a natureza humana, e não tendo ainda me dedicado  ao estudo das Ciências Humanas, ouvi a célebre frase de Dalberg-Acton , dizendo que “o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente”, e acreditei então que o ser humano era a pobre vítima desse  terrível monstro.
                  Cedo comecei a trabalhar e exerci minhas atividades sempre muito próxima ao Poder , até que  passei a ser um “Órgão do Poder”, eis que o Juiz de Direito não é um funcionário, mas um órgão, conforme a nossa e as outras Constituições do Mundo Civilizado o definem.  E dessa prática pude observar o seguinte :

                        — existem inúmeras pessoas, homens e mulheres, que nunca se corrompem quando no Poder, em número muito maior do que aquelas que se corrompem; e existem também inúmeras pessoas  que se deixam corromper;
                          se todas as pessoas que detêm o Poder fossem corruptas ou corrompidas nossa Humanidade há muito tempo já teria entrado em crise;

                        — as pessoas sérias e honestas trabalham incessantemente e a mídia não faz alarde de suas honrosas vidas e atividades, a não ser, por vezes, no dia em que as mesmas morrem e depois as esquecem; em contrário,  as pessoas corruptas são  as mais apontadas e a repetição de seus atos, na mídia, nos dão a impressão de que  são mais numerosas;
                        — as estatísticas que estabelecem os índices de corrupção nos diversos países contam esses números pelos resultados e não pelo número de pessoas envolvidas nos atos corruptos : por vezes um só elemento dentro de um governo é capaz de levar a efeito atos  inúmeros e de elevada periculosidade,  muito mais do que se diversos indivíduos estivessem envolvidos;
 
                        — a corrupção é um crime de difícil prova, geralmente é detectada pelos seus resultados e  seus efeitos, pois é feita às escondidas;

                        — ao analisarmos a vida pregressa de um corrupto identificado, podemos observar que, mesmo antes de galgar o  cargo ou função onde se deu o fato, a sua trajetória foi  marcada por atos desabonadores de caráter, com pouca ética;

                        - o Poder possui um lado glamoroso, que atrai as pessoas pouco éticas como a luz atrai as mariposas, mas possui um lado árduo, de dedicação à coisa pública e ao povo, que tira ao seu detentor anos de vida, que não perderia se ficasse em suas atividades comuns – como exemplo mais recente podemos citar o atual Presidente dos Estados Unidos da América, Barak Obama, que, tendo assumido o cargo com os cabelos completamente negros, já ao final do seu primeiro mandato os apresentava quase brancos, como hoje, sendo um homem tão novo;
                        — para o estresse diário e incessante  que o Poder exerce sobre o indivíduo é necessário que o mesmo possua saúde física e psíquica robustas para seu enfrentamento;
 
                        — o Poder é  extremamente  solitário , e, quanto maior for a parcela atribuída a um indivíduo, mais solitário e isolado este se torna, eis que suas decisões são mais  sérias e atingem maior gravidade  e também se torna alvo mais  visado e permanente de oficiais da administração com intenções pouco éticas — por isso, a divisão de poderes que se deu a partir   da implantação  das Democracias no Ocidente é considerada uma   extraordinária evolução , dividindo responsabilidades e criando sistemas de freios e contrapesos; nesse ponto é que a frase de Dalberg-Acton, que   fala de corrupção absoluta no poder absoluto  não está  em consonância com a realidade ;
                        — o exercício do Poder exige bom senso, equilíbrio e boa orientação, devendo o seu detentor cercar-se de pessoas capazes e corretas.     

                    De todas essas observações e de outras mais, cheguei à conclusão, contrariamente ao que nos diz a tão repetida  frase do  famoso historiador britânico citada acima, que  o Poder não corrompe as pessoas. São as pessoas já com tendências  pessoais para o desvio de conduta  ou então  psiquicamente despreparadas para o seu exercício é que encontram nele a oportunidade de exteriorizarem essa faceta de sua personalidade. Talvez se nunca tivessem chegado ao Poder, nunca tivessem delinquido, justamente porque não teriam tido  a oportunidade adequada e, assim vistas pelos demais, passariam perfeitamente como cidadãos honestos.
                  Em nossos dias muitas facilidades são  encontradas para pessoas ou grupos de pessoas despreparadas chegarem aos mais altos cargos, em qualquer parte do Mundo. Por outro lado, também muitas facilidades são dadas para pessoas extremamente qualificadas chegarem até lá. Essa é a grande  oportunidade que a Democracia  nos fornece e vários Estados no Mundo estão a demonstrar exemplos de um de outro caso. Tudo vai depender, também, do grau de  cidadania e educação  do povo que compõe a sociedade  de cada país. Quanto mais forem respeitados os direitos naturais humanos de uma sociedade, notadamente a educação, a instrução, a saúde e a justiça, então mais vigorosa e eficaz se tornará sua Democracia.  

  5. A visão psicológica e sociológica
 
 
                  Toda a análise feita acima  atendeu também a normas de estudo da Sociologia e da Psicologia, que nos leva aos princípios  norteadores dos desvios de conduta do ser humano frente aos acontecimentos sociais. De um ponto de vista  individual (Psicologia) e  do sistema social (Sociologia).

                     Do ponto de vista Psicológico,  coloco a seguir a explicação do elemento “Sombra” que Jung demonstra existir em todos nós, seres humanos, por mais evoluídos que possamos ser dentro da escala de normalidade de nossa espécie, nos dias de hoje. A maior ou menor capacidade de dominar e até reduzir a quase nada  esse elemento é que vai nos tornar pessoas éticas e capazes de realizar atos  de grande valia, fazendo-nos evoluir. É, de qualquer forma, a mesma “marca” do ser humilde e  brutal do qual evoluímos, segundo a teoria das espécies que apontou a evolução do Homo sapiens,  segundo Darwin, e que ainda carregamos em nós, segundo ele mesmo afirma em seu conhecido livro. Tanto em nossa vida particular como cidadãos comuns, como  ao nos tornarmos  detentores do Poder, devemos cuidar para que,  cada vez mais, deixemos de sofrer as influências de nossa “sombra”:
                                                                        A SOMBRA

                          Um homem de 33 anos, despedido de seu emprego durante um escândalo político, viu-se como uma vítima no sonho descrito a seguir, onde o arquétipo da sombra prevalece:

  “Estava numa sala, conversando com alguém – não sei muito bem quem era, podia até ser eu mesmo. Saí da sala , mas, por alguma razão, virei-me e voltei para lá. Abri a porta e me vi, em pé, do outro lado da sala. Ao olhar para a esquerda, vi outro homem de costas. Ele se virou e pude ver que também era eu. E parecia muito surpreso em me ver. Enquanto eu o encarava, seu rosto começou a se transformar em algo muito grotesco, num animal monstruoso. Fiquei apavorado com a cara do monstro e horrorizado ao compreender que todas aquelas pessoas eram na verdade partes diferentes de mim mesmo. O homem do outro lado da sala viu meu pavor e falou: ‘Eu disse para não voltar; você deveria ter batido antes de entrar. Agora você sabe'."

                          O arquétipo da sombra, simbolizada com o mesmo sexo do sonhador, em geral, representa o lado mais escuro e reprimido do caráter — a parte que a maioria das pessoas prefere não encarar em vigília, porque não “combina” com sua autoimagem . O sonhador citado, por exemplo, via-se como um agente de boas ações e culpava os outros por seus problemas, dizendo-se perseguido. Esse sonho explícito revelou o desconhecido para ele : dentro de si existiam lados inconscientes que podiam ser monstruosos. Até então, o homem conseguira reprimir ou esconder muito bem, dele mesmo, as facetas destrutivas. Ao expor essa sombra em toda sua verdade terrível, diz Bernstein, o sonho forçara o homem a aceitar a responsabilidade por suas ações.
                          Apesar de o arquétipo da sombra em geral surgir em sonhos com roupagem ameaçadora ou repugnante , para ser rejeitado, consegue oferecer ao sonhador algumas revelações úteis sobre seu próprio eu interior, as quais, depois, podem se integrar a sua vida em vigília. Ao reconhecer-se em uma sombra fria e desagradável, por exemplo, uma pessoa talvez se arme de coragem para se tornar mais calorosa e complacente em suas relações com os outros. Em se tratando de um arquétipo, a sombra tende a assumir caracteres positivos ou negativos. Por exemplo: a sombra de uma pessoa dócil talvez passe pelo sonho como um personagem forte e trabalhador, com qualidades que o sonhador poderia assimilar. (Texto extraído de “No Mundo dos Sonhos”, Série “Mistérios do Desconhecido”, Editora Abril, Livros Ltda., 1992, página 95)

               Do ponto de vista Sociológico, vem-nos  a afirmação de Émile Durkheim,  para explicar o comportamento de revolta de várias sociedades ao mesmo tempo, frente ao desrespeito ao seus direitos individuais. Ele, que é  considerado o  iniciador da Ciência da Sociologia, nos informa que  o fato social, pela sua própria  natureza de sociabilidade, é essencialmente geral, ou seja, aplica-se  a todos ou à maioria dos indivíduos dentro da coletividade :
  

... mas , poderão objetar, um fenômeno não pode ser coletivo se não for comum a todos os membros da sociedade, ou, pelo menos, à maioria deles; se não for geral, portanto. Sem dúvida; mas se ele é geral, é porque é coletivo (isto é, mais ou menos obrigatório) , e está bem longe de ser coletivo por ser geral. Constitui um estado do grupo que se repete nos indivíduos porque se impõe a eles. Está longe de existir no todo devido ao fato de existir nas partes; mas, ao contrário, existe nas partes porque existe no todo. (Durkheim, Émile – “As Regras do Método Sociológico”, 5ª. Edição. Editora Nacional, S. Paulo – 1968 – pág. 8)

                 Cabem essas afirmações tanto no que se refere ao exercício do  Poder quanto daquele que  a ele se submete, voluntariamente (pelo voto em pleitos eleitorais), ou não . Se, em determinado momento, um grande número de pessoas  se reúne ,  cada indivíduo passa a sofrer  também  a influência da massa. E, integrado a ela, novas facetas de sua personalidade podem aflorar : é o caso de manifestantes que, longe da sua inclusão nela, têm comportamentos diversos  e, por vezes, inteiramente opostos, como se fossem duas personalidades diversas. O comportamento humano por influência das massas tem sido objeto de estudo sociológico e psicológico específico.


6. Conclusão

 
               Após essa exposição, explico a inclusão  das frases logo ao início,  abaixo do título. O ser humano, apesar do que algumas pessoas imaginam, não é perfeito. Sendo assim, as suas obras também seguem essa sua característica.
 


 
 
                 Na Bíblia, há uma  indicação do Poder entre os homens  tendo sido oferecido pelo Demônio a Cristo, como tentação para que o mesmo desistisse da salvação da Humanidade.

                  Quer se tenha a Bíblica como um Livro Sagrado que nos apresenta as Verdades, ou então se entenda ser uma Antologia de Parábolas, ninguém consegue negar a grande sabedoria que é colocada nos fatos ali narrados. Não são fatos históricos, pois não se trata de um livro de História Antiga, embora muita coisa nesse sentido se possa compilar ali, notadamente  no que tange a Estados e Impérios  e Reis e Imperadores que realmente existiram. Então, colocada a figura da tentação pelo glamour do Poder, oferecida a um homem acima de tudo íntegro e o mais aproximadamente possível da perfeição que se possa imaginar, Jesus Cristo, ele não achou  o Poder Absoluto sobre o Mundo tão importante quanto  fazer evoluir a Humanidade. E isso é uma grande lição para todos nós : acima do Poder Humano está a Evolução Humana.
                  Einstein, nos faz lembrar que  o Poder Perfeito somente pode ser exercido por um Ser Perfeito, no caso, Deus, quando nos diz que Ele não joga dados com o Universo. E afirmar isso significa que Ele mesmo se coloca a agir dentro de Suas Leis, respeitando  a sua Criação. Sendo assim, o único bom governante é aquele que  sabe fazer as leis e ao mesmo tempo se submeter a elas. E somente quando o Homem, quer como indivíduo, quer como Humanidade, atingir alguma perfeição, é que poderá realmente governar as suas sociedades de uma forma ideal. Enquanto isso, devemos lutar para evoluir. Não é fácil, mas é necessário. Acredito que um dia, não amanhã, mas bem mais distante, com certeza chegaremos lá - enquanto isso, cada um de nós deve fazer sua parte, quer como um indivíduo em si, quer como componente do todo a que pertencemos.


Nota: Hoje, ao postar essa matéria, ouvi nos noticiários matutinos que o presidente da Ucrânia, finalmente, fez um acordo com a oposição em seu país, e  assinou  tratado com a União Europeia, tendo marcado eleições presidenciais antecipadas para dezembro, encerrando a dolorosa ocorrência social, que enlutou a Humanidade. Para tanto  valeu a interferência das Nações Organizadas do Mundo, o que me enche de esperanças quanto ao futuro. Quiçá se obtenha também igual resultado para a não menos sangrenta e dolorosa para todos nós  guerra civil que se alastra ainda na Síria, país que , no passado, tantas contribuições trouxe para a História Humana. 
__________

 
(*) “Uma suposição primordial da nossa tipologia é que essas reações ocorrem com frequência diferente dentro de vários subgrupos de nossa sociedade, precisamente porque os membros de tais grupos ou estratos são diferencialmente sujeitos ao estímulo cultural e às restrições sociais”. Merton, Robert King – “Sociologia- Teoria e Estrutura”, São Paulo, Ed. Mestre Jou, 1970, pág. 213.
(**) Introdução de Paulo Matos Peixoto à primeira edição de “Vidas Paralelas”, de Plutarco, 1991, Editora Paumape,  São Paulo, página 9.
(***) Idem, página 10.