CORRUPÇÃO E IMPERFEIÇÃO HUMANA
TRÊS ANÁLISES SOBRE O TEMA
Raymond Aron, analisando a corrupção nos regimes
constitucionais pluralistas, também chamados democráticos, onde há um conflito
permanente de ideias, de interesses, de grupos e de pessoas, afirma ser muito
difícil, na prática, as pessoas que representam cada um desses grupos terem a
capacidade de estarem bem conscientes, ao mesmo tempo, sobre a distinção entre
os interesses particulares de cada um e o interesse coletivo que devem servir.
E, sendo assim, a distinção entre regimes sãos e outros corrompidos é apenas
uma questão de gradação.
Neste artigo estaremos nos referindo à
corrupção pessoal, aquela praticada pelo “conselheiro do príncipe”, ou
funcionário público, e que funciona da seguinte maneira: toda política comporta
problemas a resolver e as decisões devem resultar de uma análise da situação,
que não consegue uma solução imperativa, mas indica um direcionamento mais
favorável, pois cada uma das direções comporta vantagens e desvantagens mais
favoráveis. Essa direção deve ser indicada por “aqueles que são encarregados de dizer aos políticos: eis aqui as
soluções do problema“ e então ainda cabe ao político um outro dever, o de
reunir em torno dessa solução mais favorável uma maioria parlamentar. E nesse
conflito de interesses é que surgem as oportunidades da corrupção pessoal.
Ronald Dworkin analisa ética política
e igualitarismo político, situando a visão dos liberais éticos, sob o prisma da
teoria política de tradição contratualista.
Invoca os argumentos de Rawls sobre justiça social, e indica a dificuldade de
um negociador, ou político (que por essa teoria contratualista tem o dever de se
mover pelos próprios interesses, ou daqueles que representa), de não colocar esses interesses particulares acima
do interesse coletivo. E, sendo assim, fica difícil também poder agir sem
demonstrar que não se atém a uma noção de justiça social — porque,
teoricamente, deve demonstrar sua intenção de perseguir essa justiça, embora,
ao mesmo tempo, na prática, esteja interessado em conseguir adeptos para
os interesses particulares que representa. Até porque tem como objetivo
angariar para o setor que representa a maior maioria possível. Nesse emaranhado
de decisões é que se desenvolvem os privilégios e a corrupção.
Stephen Kanitz, por seu turno, analisa:
“O Brasil não é um país intrinsecamente corrupto. Não existe nos genes
brasileiros nada que os predisponha à corrupção, algo herdado, por exemplo, de
desterrados portugueses.
A
Austrália, que foi colônia penal do império britânico, não possui índices de
corrupção superiores aos de outras nações, pelo contrário. Nós brasileiros não
somos nem mais nem menos corruptos que os japoneses, que a cada par de anos têm
um ministro que renuncia diante de denúncias de corrupção.”
N1: Falta de integridade ou honestidade;
especial susceptibilidade ao alcoolismo; uso de uma posição de confiança para
ganho desonesto. Veja mais em
E continua ele:
“Somos, sim, um país onde a
corrupção, pública e privada, são detectadas somente quando chega a milhões de
dólares e porque um irmão, um genro, um jornalista ou alguém botou a boca no
trombone, não por um processo sistemático de auditoria. As nações com menor
índice de corrupção são as que possuem o maior número de auditores e fiscais
formados e treinados. A Dinamarca e a Holanda possuem 100 auditores por 100.000
habitantes. Nos países efetivamente auditados, a corrupção é detectada no
nascedouro ou quando ainda é pequena. O Brasil, país com um dos mais elevados
índices de corrupção, segundo o World
Economic Forum, tem somente oito auditores por 100.000 habitantes, 12.800
auditores no total. Se quisermos os mesmos níveis de lisura da Dinamarca e da
Holanda precisaremos formar e treinar 160.000 auditores.”
De
todas essas análises, podemos entender que a corrupção pessoal, assim como a
corrupção de regime, não é inerente à natureza imperfeita do ser humano
individual, mas pode surgir em determinada pessoa tendo-se em vista o seu
próprio grau de imperfeição humana. Isto acontece quando um indivíduo, confrontado
com seus interesses pessoais ou do grupo a que pertence , fica incapacitado de
distinguir entre o que é de interesse privado e o que é de interesse coletivo.
Então se deixa dominar pelo emaranhado das relações políticas e procura seguir
a solução que entende ser mais fácil para si próprio dentro do contexto social
a que pertence, procurando criar para si ou seus representados situações de
privilégios políticos. Usa, para tanto, de todos os meios com o fim de obter
maioria para suas decisões e permanecer no serviço público. É então que, sem
perceber, inicia-se na prática da corrupção. Ele chega a ponto de não mais
perceber a diferença entre uma atividade política sã e uma atividade política
corrupta. Pode, em certos casos, dado o escalonamento quantitativo de
partidários e partidos políticos assim envolvidos, prejudicar a própria
governabilidade ou administração pública, em menor ou maior grau.
Como
se pode concluir da leitura das obras desses três grandes pensadores da
atualidade, trata-se a corrupção de um fenômeno mundial. O que difere, entre
cada regime político, quer em regime capitalista, quer comunista, é o grau em
que está infiltrada, e se ela já atingiu um elevado grau de funcionários
públicos, políticos e partidos políticos, ou se ela é incipiente. E, para cada
caso há de ser indicada uma solução. Mas toda e qualquer solução sempre
incorporará, necessariamente, uma eficaz fiscalização.
Fontes:
Aron,Raymond,
in “Démocratie et Totalitarisme”,
Ed. Galimard, 1965,Colléction Idées, pp. 168-186.
Dworkin, Ronald, in “Ética
Privada e Igualitarismo Político”, Ed. Paidós, pp. 159-163.
Kanitz,
Stephen, in http://www.kanitz.com.br/veja/corrupcao.asp
Nenhum comentário:
Postar um comentário