LEIS UNIVERSAIS E LEIS SOCIAIS
A “Teoria da Relatividade”, como
concebida por Einstein, no século XX (em 1915), é uma outra visão,
evolucionária , da concepção de Isaac Newton, no século XVII, expressa
em sua “Teoria da Gravitação” — ambas
apresentando o elevado grau de genialidade dos cientistas que as produziram. A diferença
entre os conceitos é de que o de Einstein não abrange uma visão do Universo a
partir de nossa natureza terrestre, mas uma
visão do Universo a partir de uma visão universalista, entendendo
a natureza terrestre subordinada a leis
cósmicas a que está afeta e inserida, embora nem todas (apenas poucas) estejam
identificadas ou deduzidas — o
raciocínio lógico e elevados cálculos matemáticos inseridos na sua
demonstração não estiveram ao alcance ,
à época de sua publicação, da maioria dos cientistas contemporâneos a ele. Um
resumo nos é apresentado pelo filósofo brasileiro Huberto
Rohden, que teve oportunidade de participar de
vários encontros científicos com Einstein , tendo sido seu colega em
Princeton:
Isaac Newton descreve um
cosmos estático, rígido, definido. Para ele, o Universo é uma imensa máquina
que funciona com precisão cronométrica. O Universo de Newton é imutável.
Albert Einstein substitui o Universo estável de Newton por
um Universo instável. Para Einstein, nada é fixo, tudo é móvel; nada é
absoluto, tudo é relativo. Tempo e espaço não são duração e dimensão estáticas,
definidas, mas algo dinâmico, indefinido. Tudo está em perpétuo fluxo, efluxo,
influxo, refluxo. Mais do que nunca se comprovou na Teoria da Relatividade a
palavra do filósofo Heráclito de Éfeso, panta rhei, tudo flui. Ninguém
pode, dizia Heráclito, tomar banho duas vezes no mesmo rio, porque o rio de
ontem não é o rio de hoje, e o de hoje não é o de amanhã. O rio não é um
estático ser, mas um dinâmico agir, ou devir; podem as suas margens ser fixas,
mas as suas águas, que são o rio, estão em perpétuo processo de mutação e
transição. Esta é a concepção mais exata da Relatividade: tudo flui nada para.
(...)
Transpondo-se
esses princípios para uma filosofia do Direito, visto que uma noção de
“Justiça”, ente imaterial, há sempre de ser procedente de um conceito
universalista, podemos deduzir também um processo dinâmico na sua realização.
E, nesse contexto, sobre uma “Teoria Geral do Justo”, também se deve deduzir: a
Justiça, em um sentido abrangente de todas as realidades, não pode se prender
às definições do que consideramos material e imaterial, engessadas por termos e
prazos consequentes do tempo e espaço a
que estamos obrigados em razão de nossa natureza mortal, eis que conceitos
gerais e abrangentes do “Todo” ou do
“Tudo” são cósmicos , em que Ciência e
Filosofia têm pontos em comum, que não levam em consideração estreitas
fronteiras estabelecidas
previamente a determinada
existência para a consecução de apenas
pequena parcela de um contexto
geral. Em ambos os ambientes, o
terrestre e o extraterrestre, os princípios deverão guardar similitude,
partindo-se do geral para o particular e não do oposto.
E, se o ser humano pretende compor pelo menos uma das partes das relações jurídicas a serem realizadas além de suas
estreitas fronteiras do tecido tempo-espaço, deve acostumar-se à ideia
de que , consciente ou inconscientemente, já se rege pelo mesmo Código de Moral
e Ética que governa o panorama
universal, e, seu não atendimento , na prática de sua vida, acarreta problemas
existenciais aparentemente sem motivo. Porque esse código já se encontra ínsito
em seu elemento imaterial, cuja descoberta, passo a passo, é que possibilita
sua evolução a caminho de seu aperfeiçoamento e integração cósmica.
Se
não fosse assim, seria muito estranho que, racionalmente, tenhamos tido capacidade
de exercer um livre arbítrio para a nossa individual escolha vivencial, que nos
permitiu alcançar a evolução como espécie, já que haveria tantos códigos de
moral e ética quantas fossem as pessoas e não teria havido o reconhecimento de direitos
(que chamamos de naturais) comuns a todos
os indivíduos, capazes de organizar nossas sociedades (no espaço e
no tempo), dando-nos garantias de existência e passagem de Homo faber
a Homo sapiens — e estaríamos vivendo, ainda, no estado primário de
selvageria de nossos antepassados genéticos .Uma anarquia generalizada que não
condiz com o status de um animal
social , no qual, antes de tudo, deve existir um conhecimento natural (interno
e inerente à sua natureza) de princípios necessários a relações harmônicas, que se traduzem
primordialmente na cooperação mútua. Vejam-se, por exemplo, outros animais não
superiores: se a regra fosse não serem esses princípios gerais ínsitos a cada
indivíduo , ab initio, suas sociedades , como a das abelhas, dos cupins
e das formigas, não teriam
sobrevivido em tão largo espaço de tempo a graves problemas em nosso meio
ambiente — ocorre que eles atendem a essas determinações e por isso sobrevivem,
mas nós, superiores, ainda não chegamos
ao nível dessa compreensão.
Se
o ser humano, por causa de fatos
supérfluos que não são
importantes para sua evolução, como o excessivo consumismo e maquinização,
continuar a afogar princípios
essenciais à manutenção da sua existência como espécie, como a cooperação, não
logrará alcançar as finalidades cósmicas que pretende atingir. Carl Sagan,
o famoso e genial cientista norte-americano que, no século passado, popularizou
a ciência, nos adverte sobre esse ponto: (VI)
Os crustáceos, como os camarões, são muito
mais antigos que as pessoas, os primatas
ou até os mamíferos. As algas remontam a bilhões de anos atrás, muito antes dos
animais, quase até a origem da vida sobre a Terra. Todos têm trabalhado juntos
— plantas, animais, micróbios — por muito tempo. O arranjo de organismos em
minha esfera de cristal é antigo, muito mais antigo que as instituições
culturais que conhecemos. A tendência a cooperar tem sido extraída dolorosamente
por meio do processo evolucionário. Aqueles organismos que não
cooperaram, que não trabalharam uns com os outros, morreram. A cooperação está
codificada nos genes dos sobreviventes. Faz parte de sua natureza cooperar. É
a chave para a sobrevivência.
Mas nós, humanos, somos recém-chegados, pois só surgimos há uns poucos milhões de anos. A nossa presente civilização técnica tem apenas algumas centenas de anos. Não tivemos muitas experiências recentes de cooperação voluntária entre as espécies (ou até entre a mesma espécie).
Mas nós, humanos, somos recém-chegados, pois só surgimos há uns poucos milhões de anos. A nossa presente civilização técnica tem apenas algumas centenas de anos. Não tivemos muitas experiências recentes de cooperação voluntária entre as espécies (ou até entre a mesma espécie).
(...)
Se não fomos agraciados com um conhecimento
instintivo que nos mostre o que fazer para que nosso mundo regido pela
tecnologia seja um ecossistema seguro e equilibrado, devemos descobrir como
fazê-lo. É provavelmente muito cômodo esperar que um grande Zelador do
Ecossistema (43) venha à Terra e corrija os
nossos abusos ambientais. Cabe a nós a tarefa.
Não deve ser tão difícil assim. Os pássaros-cuja
inteligência tendemos a denegrir — sabem o que fazer para não sujar o ninho. Os camarões, com cérebros
do tamanho de partículas de fiapos,
sabem o que fazer. As algas sabem. Os micro-organismos unicelulares sabem. Já é
hora de sabermos também.
E
essas normas universais podem ser entrevistas tanto em princípios teológicos,
filosóficos e jurídicos, codificados ou
não, transmitidos até mesmo apenas oralmente através dos tempos. É do que,
em resumo, Kant nos fala, quando versa sobre o “conhecimento da verdade” em suas notáveis obras Crítica da
Razão Pura e Crítica
da Razão Prática , afirmando que esse conhecimento individual, de uma moral objetiva, procede
em parte da razão humana , internamente, a priori , e em
parte de fatores externos, por nossa experiência, a
posteriori. Estas últimas, David Hume entende serem causas e efeitos , que decorrem do empirismo, mas que não são suficientes para
o conhecimento da verdade, que o homem apenas alcançará se der plena e única confiança à sua intuição
interior, que seria o conhecimento
objetivo já constituinte da razão humana, internamente, conforme esclarecida por Kant (ou conhecimento genético ou do
inconsciente coletivo).
Mas o monarca
da cosmocracia einsteiniana não reside em parte alguma, porque está presente em
toda a parte; é um poder onipresente, é uma consciência universal. O seu trono
é no átomo e na molécula, na célula e na individualidade. Já no século quinto
da nossa era, teve Santo Agostinho a mesma concepção univérsica da hierarquia
cósmica, quando escrevia : “O centro de Deus está em toda parte”. E, séculos
antes desse genial africano, o maior dos gênios da Ásia e do mundo enunciou
esta mesma verdade, quando disse a seus discípulos : “O Pai está em mim , e eu
estou no Pai ...o Pai também está em vós e vós estais no Pai”. Que se diga
“Centro” ou “Pai”, a ideia é a mesma que Einstein denomina “Lei”. Segundo o
“apocalipse matemático” de Einstein, “Deus é a lei e o legislador”, que não
reside aqui ou acolá, como uma entidade local, transcendente, mas é a própria
consciência cósmica, imanente em todos os seres, nos indizivelmente pequenos e
nos inconcebivelmente grandes.
(...)
Nenhum átomo, nenhuma célula tem ordem extrínseca de se portar assim ou assim; cada um deles é uma entidade autônoma, uma autarquia ou autocracia, cujo governo reside dentro dessa própria entidade.
Nenhum átomo, nenhuma célula tem ordem extrínseca de se portar assim ou assim; cada um deles é uma entidade autônoma, uma autarquia ou autocracia, cujo governo reside dentro dessa própria entidade.
(...)
É a
opinião dos imperitos que a rainha das abelhas seja uma soberana,
responsável pelo governo da colmeia. Na realidade, porém, tal rainha é apenas
uma poedeira que, durante os cinco anos da sua vida, não faz outra coisa senão
engolir geleia real para poder pôr ovos,
e nada mais. A rainha não dá ordem a nenhuma abelha, porque toda abelha, desde
que sai do alvéolo até que, aos 40 ou
45 dias, morre na solidão da mata, sabe
o que tem que fazer; ela tem o seu
governo dentro de si mesma, e obedece ao imperativo categórico, que vem de
dentro dela. Uma colmeia é a perfeita imagem de uma “anarquia cósmica”, isto é,
uma perfeita ordem e harmonia sem nenhum governo externo; o sem-governo
(anarquia) se refere a um fator extrínseco, mas o governo (autarquia) está
dentro de cada abelha. É a consciência
apiária que governa, e, por isto, não há necessidade de uma organização externa.
(VII)
Os
grandes filósofos gregos que até hoje
influenciam o nosso pensamento ocidental também se referiram a esses princípios universais, desejando que
nelas se inspirassem os legisladores. E, assim, nos disse Platão, nas “Leis” :
(...) É assim, estrangeiro, que teria
desejado, e ainda desejo, que vós tivésseis plenamente esclarecido de que
maneira todas essas regras constam nas leis atribuídas a Zeus e naquelas de
Apolo pítio, as quais foram estabelecidas por Minos e Licurgo, e de que maneira
o arranjo sistemático delas se mostra absolutamente evidente para aquele que,
por arte ou prática, é um perito nas leis, embora não seja de modo algum
evidente para o resto de nós, leigos. (VIII)
A passagem do estado de natureza para o estado
civil determina no homem uma mudança
muito notável, substituindo na sua conduta o instinto pela justiça
e dando às suas ações a moralidade que antes lhes faltava. É só então
que , tomando a voz do dever o lugar do
impulso físico , e o direito o lugar do apetite, o
homem, até aí levando em consideração apenas sua pessoa,
vê-se forçado a agir baseando-se em outros princípios e a
consultar a razão antes de ouvir suas inclinações. Embora nesse
estado se prive de muitas vantagens que
frui na natureza, ganha outras de igual monta : suas faculdades se exercem e se
desenvolvem, suas ideias se alargam, seus
sentimentos se enobrecem, toda a sua alma se eleva a tal ponto , que, se
os abusos dessa nova condição não o degradassem frequentemente a uma condição
inferior àquela donde saiu, deveria sem cessar bendizer o instante feliz que
dela o arrancou para sempre e fez, de um animal estúpido e limitado, um ser inteligente e um homem (...).
O que o homem perde pelo contrato
social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto aventura e
pode alcançar. O que com ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo
que possui. A fim de não fazer um julgamento errado dessas compensações,
impõe-se distinguir entre a liberdade natural, que só conhece limites nas
forças do indivíduo, e a liberdade civil.
(...)
Poder-se-ia, a propósito do que ficou acima, acrescentar à aquisição do estado civil,
a liberdade moral, única a tornar o
homem verdadeiramente senhor de si mesmo, porque o impulso do puro apetite é
escravidão, e a obediência à lei que se estatuiu a si mesmo é liberdade. (IX)
Resguardadas
as diferenças de interpretação dos fenômenos
não naturais que cada sociedade atribui ao que observa, todas as
sociedades humanas guardam um paralelismo entre o que ocorre em nosso meio perceptível
pelos cinco sentidos e o que
eventualmente pode ter
ocorrido antes e além deles. E, nesse particular, tanto as
ciências físicas quanto as humanas
convergem para as mesmas indagações no
momento de explicar a origem de todas as
coisas : as primeiras, num sentido do início material do universo e, as segundas, na
explicação da causa fundamental de todas as criações, seja sob um ponto de vista racional materialista ou espiritual. De qualquer sorte, todas as especulações,
em ambos os sentidos, repousam em causações metafísicas ou metajurídicas, quer em sentido puramente filosófico, quer em âmbito teológico.
As
premissas sobre as quais repousam os
princípios da restituição na esfera das relações civis de uma sociedade atual estão relacionadas, na mente humana, como uma
transposição de uma fórmula ideal
de distribuição de justiça, assim como a energia vital está para a vida. Numa relação
de modelo para imagem, pretende-se imprimir às relações nas sociedades os ideais
de equilíbrio universal.
Entende-se, de qualquer ângulo que se analise
o tema, tanto materialista quanto espiritualista, a existência de uma fonte
primeira da qual emanam todas as formas
de vida – que contêm em si
partículas , materiais ou imateriais, da
substância primordial —, cuja
natureza e vontade desconhecemos mas sabemos que existe, porque
existimos por causa dela .
E é sob o olhar direcionado aos princípios jurídicos, notadamente do Direito das Obrigações, parte constituinte do Direito Civil, e aos apresentados pela Física, já desvendados em nossa realidade dimensional, que elaboramos, por cooperação de naturezas , a “Teoria da Restituição”, numa tentativa de apresentar uma forma humana de contribuição a esse movimento constante que mantém a energia existencial inicial em movimento cíclico, de construção e reconstrução – com a manutenção da nossa espécie na grande História das diversas eras , assim como ocorreu desde um passado remoto.
A obrigação, em síntese, é um vínculo jurídico
provisório que se estabelece entre um devedor e um credor de uma prestação de
dar, fazer, ou não fazer. Dentre essas prestações,
a cargo do devedor, destaca-se a restituição: é a obrigação de alguém
de devolver alguma coisa que não
era sua ou que não lhe era devida.
A
restituição possui dois aspectos essenciais: 1º. – todo aquele que
recebeu o que não lhe era devido, fica obrigado a restituir; 2º. - essa
restituição deve se dar com os frutos obtidos, desde que pertençam a alguém.
(Excerto de páginas 203-213 do Livro "Teoria da Restituição - O Direito do Futuro. A nova etapa evolucionária humana: a Filosofia, as Leis e as Ciências", de Lia Pantoja Milhomens, Ed. Maet, 2012)
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